quarta-feira, 28 de março de 2012

A poesia despindo-se da realidade dos programas de governo.

Esta semana fui marcado por uma experiência sui generis. Fui procurado para opinar acerca de um problema vivenciado por um casal que habita em um imóvel adquirido por um sistema de arrendamento instituído por um programa de governo chamado PAR (Programa de Arredamento Residencial). Trata-se de um programa que tem o fito de proporcionar às pessoas de baixa renda uma oportunidade de adquirir um imóvel a preço subsidiado. A idéia é, em síntese, fazer frente à carestia incrementada pelo alto custo representativo dos aluguéis no orçamento popular, e, ao mesmo tempo, proporcionar ao arrendatário a chance de adquirir, no futuro, o imóvel arrendado. Arrendar um imóvel é, pois, numa linguagem mais simples, alugá-lo.
O programa envolve, sobretudo, as esferas municipais e federal de poder. A Caixa Econômica Federal é a instituição responsável pela administração do financiamento e do imóvel (na verdade ela escolhe uma empresa para administrar os imóveis). A prefeitura compra ou cede o terreno, a Caixa administra a incorporação, uma construtora é escolhida para erguer  a obra, enquanto o Governo Federal subsidia o  preço . A Municipalidade administra a fila de interessados.
Empreendida a síntese explicativa do programa, fujamos da sua conceitualização, para adentrar na percepção de uma parte da população que ao mesmo aderiu e acabou por se decepcionar com o mesmo. Aqui começa o relato da experiência que desejamos compartilhar.
Uma cliente enviou-me uma mensagem eletrônica que deveria ser remetida ao Palácio do Governo. Ressalto o timbre emocial externado pela mesma: um misto de indignação e desespero.
Relata a nossa protagonista que não consegue dormir, pois nas altas madrugadas, um bando de desocupados faz baderna embaixo de seu apartamento. Desocupados que participam do programa, ora como arrendatários, ora como progenitores sociais do caos futuro que seus filhos instituirão. Ameaçam quem ameaça reclamar, não raras vezes chegando às vias de fato e, de fato, de dano. Relata que compreende o intuito do programa, mas, aderente ao mesmo, faz externar a sua frustação apontando que, face ao baixo custo do arrendamento, o nível cultural dos agraciados está em sintonia com a proporcionalidade que o preço proporciona (sem trocadilhos ou aliterações). No seu dizer, ao invés de aproveitar o baixo custo do arrendamento para aprimorar a sua vida profissional, boa parte daqueles que desfrutam do programa usam o imóvel para outros fins, não raras vezes escusos.
O casal (minha quase cliente e marido) deseja sair do programa. Pela conversa que tive com os mesmos, parece se tratar de pessoas simples, mas muito bem postadas. Relatam que o que poderia ser uma vantagem social, acabou por se tornar um desastre em sua vida pessoal. Enviaram-me uma fotografia da pichação que fizeram abaixo de sua janela: ladrões safados, descreve o teor do ato pichatório, que de vexatório só não faz desprender a cor utilizada para danificar o prédio (branca).
Bêbados, ladrões, traficantes, vagabundos, incultos e quase seres representam boa parte daquela vizinhança.
Chamou-me a atenção o fato de que a crítica partiu de quem usufrui do programa, portanto, daqueles que se encontram no centro do sistema de relações posto em jogo quando se vincula ao que o governo promove.
Embora tenha ficado triste com o que imagino esteja vivenciando o casal, fiquei ainda mais surpreso com a sua consciência em relação ao problema posto, sob o foco econômico e social. Não existe, ao que parece, um critério coerente de escolha das pessoas que irão participar do programa, nem o comprometimento com a harmonia, salubridade, paz social e ordem nos conjuntos habitacionais submetidos a esse programa. Os que poderiam , como se diz hoje em dia, dar um up em sua vida pessoal, ficam impedidos de promover o sucesso do programa, porque o programa não programou como e sob quais critérios se deveria  selecionar os aderentes ao projeto. Tem começo, mas não tem um meio ou um fim adequados. Se os políticos que encancram as COHABS da vida trocarem favores com aqueles outros que de vez em quando conseguem se eleger Prefeito de uma cidade qualquer, transformando programas de governo em plataformas politiqueiras, as penitenciárias serão substituídas por conjuntos habitacionais em regime de arrendamento. Sem um estudo dos perfis sócio-econômicos dos pretendentes à vantagem econômica que lhes é oferecida, em detrimento das vantagens não oferecidas a outros, o governo estará subsidiando currais eleitorais, subsidiando, portanto, iniquidades esquisofrênicas e debilidades senis, porque os velhos procedimentos desde há muito tempo caducaram. Subsidiando, diga-se de passagem, com o nosso dinheiro, fruto do nosso trabalho.
O programa PAR, esquizofrênico desse jeito, deveria se chamar PARE. Mas isso é assunto para outra postagem.
Nos resta, para adocicar a amargura de nossa quase imutável constatação - a de que o Estado pertuba nosso senso lógico de bem existir - reproduzir uma parte de uma poesia extraída do blog a poesia despida (http://apoesiadespida.blogspot.com.br/2012/03/homo-sapiens-sapiens-visibilium-ii.html) , sob o título  homo sapiens sapiens visibilium II  , que se passa a reproduzir:

"...A resposta, senhoras e senhores, ecoará eternamente,

no fundo dos ouvidos de quem ouve.

Será óbvia quando, fora do tempo, finalmente,

se observar que o que se crê que existe

jamais houve.... "

Viva a boa poesia, pois é o estado interior sublimado em possibilidades plausíveis!!!