sábado, 3 de dezembro de 2016

REPÚBLICAS SOBREPOSTAS NO BRASIL?

     Se existe vida após a morte, Montesquieu deve estar num spa psicoterápico para refletir sobre as consequências que sua clássica divisão estrutural de funções produziu. Principal articulador do sistema de freios e contrapesos operados, em maior ou menor grau, nas sociedades democráticas modernas, Montesquieu, alavancou a tese de que a república deveria operar de forma harmônica e independente sobre o tripé de suas mais essenciais funções, qual seja, a legislativa, a executiva e a jurisdicional.  Rousseau, cuja obra mais renomada é o Contrato Social, certamente tremula ululantemente na fila de emergência de algum departamento cósmico responsável pela operação de reencarnação dos seres, argumentando pela urgência no atendimento especial que o seu caso requer: a morte de seu tratado. Vale lembrar que no Contrato Social, a expressão "SOBERANO" ali utilizada, conforme ele próprio explica, é dirigida ao povo (ou a sociedade). Que falta faz ao país a disciplina de Organização Social e Política Brasileira (OSPB). O motivo de sua criação era proporcionar aos estudantes o conhecimento do sistema assentado no conceito de Estado Democrático de Direito, hoje, tão dilapidado por motivações espúrias.  Montesquieu e Rosseau, acreditem, operam em seus tratados um sistema propositivo muito mais complexo do isso. Merecem algum dia serem propalados nos bancos escolares.  Mas nosso espaço é,  conforme sempre salientamos, voltado para o público interessado, não necessariamente aquele especializado.
     Em conta da repercussão gerada com a manobra produzida pelo legislativo nacional ao introduzir no sistema deliberativo, de supetão, um projeto de lei que regula o abuso de autoridade, a Genetriz Estatal não poderia se omitir em opinar, dado o seu desígnio existencial de levar ao leitor, uma reflexão acerca da estrutura do Estado, hoje, anêmica de racionalidade, deficiente na instrumentalização de sua função primordial - instrumentalizar a promoção do bem comum - e, após os últimos movimentos da república, moribunda mesmo. 
     Após assistir a sessão temática do Senado para debater sobre o projeto de lei cuja matéria trata do tema "abuso de autoridade", incorporado no processo legislativo, mais do que no calar da noite, mas no calar da madrugada do outro dia (calando-nos as expectativas), ouvindo os principais convidados a expor os seus respectivos pontos de vista, dentre os quais , o magistrado Sérgio Moro, o Ministro Gilmar Mendes, o Senador Roberto Requião (relator no projeto), e algumas intervenções de parlamentares daquela casa, fomos convencidos de que, estabelecido o contraditório, os argumentos levados à tribuna revelaram que o produto final será deliberado sobre as bases medíocres tradicionalmente aceitas. Aqui se esgota a primeira parte da matéria: o tema do abuso de autoridade é relevante, urgente, complexo, e, qualquer atualização legislativa no sentido de aprimorar a relação de poder derivada do exercício de funções públicas e sua relação com a sociedade é bem vinda.
     O problema surge, e é um problema inclusive desenvolver a tese de sua existência, quando analisamos as circunstâncias nas quais o legislativo introduziu o projeto de lei sobre abuso de autoridade para "deliberação deliberada". O projeto tramita na Câmara dos Deputados desde a década passada. Sua tramitação, até então, já havia estabelecido uma espécie de união estável com as teias de aranha produzidas pelo tempos da inércia procedimental a que estava submetido, havendo até quem estivesse disposto a convertê-la em casamento, visando convalidar o regime de parcial comunhão de interesses entre o nada e o coisa alguma que, até então, vicejavam em sono profundo, na quinta dimensão do desdém legislativo. Segundo dizem os astrólogos, próximo de Urano.
     A preocupação de Sergio Moro centrou-se na criminalização da interpretação. Fez a defesa, ainda, da função policial ao criticar o texto constante do projeto que criminaliza o uso de algema, na forma em que se encontra redigido. É importante chamar a atenção: a função jurisdicional consiste exatamente na aplicação da lei e não há como aplicá-la sem, por óbvio, interpretá-la. O que se pretende salientar é que, se direta ou indiretamente retirarem do magistrado o poder de interpretar a lei  de acordo com o seu livre convencimento, não se está atacando apenas a chamada operação lava a jato, mas ao próprio pacto federativo. Explica-se: a Constituição Federal retrata a estrutura da República de forma a manter independentes e agindo em sistema de harmonia, as funções estatais de legislar, administrar e julgar. Se um dos poderes, a pretexto de regular determinada matéria, impinge, ainda que sutilmente, restrições que impilam ao outro o menor obstáculo a sua liberdade funcional, o resultado será sempre uma infração ao pacto republicano. No caso sob apreço, o texto inserto no projeto é, digamos, natimorto. É evidente que o chamado crime hermenêutico não pode prosperar.
     Isso não implica em reconhecer que muitas das decisões sejam tão estapafúrdias que podem mesmo ser, do ponto de vista jurídico, reputadas como "ato inexistente", sobretudo quando não fundamentadas (ou muito mal fundamentadas). Para isso existem os recursos e os habeas corpus .
     Gilmar Mendes, em sua sustentação, apontou problemas afetos às pessoas pobres, desamparadas, noticiou a existência de presídios onde o juiz responsável pela execução da pena nunca havia visitado o presídio, etc., problemas que existem desde o descobrimento do Brasil à época das ordenações Manoelinas. Sugeriu que fossem incluídos os agentes do TCU (Tribunais de Conta da União) como latentes autores de abusos, dentre outras sugestões. Só não digrediu do porquê, se no país nunca se deu qualquer bola para abusos de autoridade, exatamente agora que a equipe da lava a jato está chegando próximo da nata política em vias de se transmutar em coalhada carcerária, a preocupação com os pobres, presos e necessitados veio à baila. Por quê?
     Repetimos: Todos os problemas levantados pelos interlocutores de fato existem e são notórios e uma norma que regule a limitação e o abuso de poder é de fato relevante no contexto do sistema implantado para regular agentes políticos e públicos. O que se critica aqui, é: se o projeto estava parado desde a década passada e, se mesmo gerando fungos pela espera de sua viabilização através do processo legislativo competente, jamais levou em consideração toda a sorte de abusos de autoridade praticados no país há séculos, porque ela passou, exatamente agora, a ganhar alguma relevância na percepção de nossos deputados e senadores da República? Porque as chamadas dez medidas contra a corrupção (que possui pontos discutíveis) tramitou de forma regular, com amplo debate público, e o projeto de lei que regula o abuso de autoridade, cujos pontos exigem ponderações delicadas e sutis, foi jogado no balaio circunstancial em que medidas imprescindíveis ao depuramento moral da administração pública já se encontravam em adiantada fase de processamento legislativo?
     A resposta é óbvia, indubitável, incontestável e insofismável: porque os interessados são os próprios acusados. Isso é de uma imoralidade sem adjetivos, pois não há palavra na gramática brasileira que possa traduzir o asco gerado por esse movimento político enquanto a nação dormia ou dormitava. Fica aqui registrada a sugestão para que se crie, no futuro, uma palavra que possa,  de forma complexiva, expressar o desejo profundo de que a própria sequência de DNA dessa classe degradante que governa a república jamais houvera sido desencadeada. Não nos surpreenderia que a análise de sua sequência desembocasse numa categoria qualquer de serpentes caiadas. Talvez a da espécie das jararacas.
     Interessa para o desenvolvimento dessa matéria, inicialmente ressaltar que "os pobres", "os desvalidos", "os menos privilegiados", novamente são utilizados para justificar essa casuística inserção na pauta de deliberação do Congresso. Essa categoria, a que chamaremos de "apartados sociais",  frutos de uma estratificação social consolidada no tempo, são mantidos apartados para servir ao velho discurso da preocupação com os mesmos, que por estarem apartados de qualquer possibilidade de compreender o sistema, em seu todo considerado, sem o saberem, retroalimentam-no elegendo exatamente quem os mantém a par de todas as considerações. Quem, pois a produz e quem a utiliza a seu bel prazer para o seu próprio interesse? Falamos da estratificação social consolidada no tempo.
     O Ministro Gilmar Mendes ao pedir a inclusão dos membros do TCU no contexto do projeto de lei aqui comentado, poderia estar a defender um interesse próprio, na medida em que o TCU fiscaliza a manipulação de recursos públicos e ele, como ex-Presidente do STF e presidente do TSE, está submetido a essa fiscalização? O que nos garante que no subsolo das sugestões apresentadas,  não dormita a intenção de alvejar eventual e futura decisão do TCU, quando analisar as contas apresentadas na sua gestão, em relação aos recursos por si administrados? Especulações que aqui empreendemos como mero exercício lógico O mesmo deveria fazer a sociedade nesse momento crucial da república. É que o texto já se refere à agentes da administração pública e chamou-nos a atenção esse preciosismo do ministro. Tratando-se de um professor de direito constitucional, não deve ter sido à toa. É tão razoável ponderar sobre tais possibilidades, que ao aludir a questão dos presídios abandonados e totalmente ignorados por juízes de execução penal (ou Corregedores), para fundamentar a necessidade de uma lei que contenha abusos de autoridade, olvidou o Ministro que esses estabelecimentos penais (na esfera criminal) sempre estiveram à margem do que preconiza a lei de execuções penais e estão assim, exatamente porque o poder judiciário prefere muitas das vezes empenhar recursos para que desembargadores e magistrados realizem cursos no exterior do que aportá-los no aprimoramento do sistema de fiscalização dos estabelecimentos penais. Todos sabem que falta recursos, que há insegurança, etc., mas, ninguém, na comissão temática, levantou esta questão. É porque o poder não  está preocupado com os "apartados sociais", mas apenas e somente consigo próprio. 
     A  remuneração de muitos magistrados, membros do ministério público, dos próprios tribunais de contas, é muito superior a do teto estabelecido na Constituição. Isso é tratado como um probleminha a ser resolvido, mas, na visão da Genetriz, é um desvirtuamento do poder que merece apuração criminal (ou mesmo crime de responsabilidade). Quem não cumpre a Constituição poderia julgar quem não cumpre a Constituição? Entendemos que não. Quem não cumpre a Constituição poderia perseguir quem não cumpre a lei? Entendemos que não. Mas quem poderia tomar alguma providência se (i) o Ministério Público não fiscaliza quem de seus procuradores/procuradores percebe remuneração acima do teto, (ii) os tribunais, no mesmo sentido, são silentes quanto a essa circunstância em relação aos seus juízes e servidores, e (iii) o legislativo, para não ser repetitivo, nada faz de diferente em relação aqueles outros poderes, incluído aí o poder executivo, inclusive suscitar a existência de crime de responsabilidade. O pacto federativo, nesses moldes, não convalida uma república, mas um clube especial de troca de favores. O mais baixo meretrício pode ser considerado virtuosíssimo se comparado ao que ocorre no país. 
     Os senadores que parlamentaram no púlpito do Senado utilizaram-se de argumentos, quase todos validáveis. Mas vale para eles o mesmo raciocínio. Se são investigados, sua argumentação validada pela lógica da ideia que traduzem é dilapidada pela má-fé de seu propósito. É casuísta na pior acepção do termo.
     Recentemente a mídia retransmitiu uma parte da transmissão de julgamentos do STF em que o Ministro Gilmar Mendes perfaz uma crítica aos magistrados que se manifestaram à porta do STF, registrando que muitos poderiam estar percebendo remuneração acima do teto, o que é verdade, mas estaria ele preocupado com a ética? Minha intuição diz que não. Macular a imagem da magistratura é uma forma indireta de atingir Sérgio Moro e toda a equipe da lava a jato. A presidente do STF, Ministra Carmem Lúcia, externou que a intenção dos magistrados extrapola a questão do salário, mas, questionada por Gilmar Mendes sobre os mesmos, afirmou que "aquela presidência também não aprova salários acima do teto". Queremos chamar a atenção dos leitores não para as especificidades de cada fato, conforme o interpretamos, mas para a generalidade de se contexto, onde tanto as remunerações percebidas acima do teto (qualquer que seja o cargo) quanto a abdicação de soluções concretas coexistem em meio a discursos para a plateia. Dirão eles que não sabiam?
     Um impedimento de uma Presidente da República (e seu vice), através uma chapa eleita com recursos de propina da, dentre outras, Petrobras, é autorizado por uma Câmara de Deputados e processado e julgado por um Senado, onde muitos de seus integrantes também são acusados pelo mesmo esquema. A presidente é condenada mas não se lhe cominam a pena de perdas dos direitos políticos, como determina a Constituição Federal, de forma expressa. Por uma determinação do presidente do STF (após um acordão com membros do Senado),  a Constituição é novamente violada. Deu o presidente do órgão de cúpula do judiciário, uma interpretação tão descabida ao texto constitucional que poderia mesmo ser reputada abusiva, para adjetivar delicadamente o que para nós constituiu, na verdade, crime de responsabilidade patente, opinião que faz demonstrar como o debate sobre o crime hermenêutico é sutil e complexo e não pode ser regulado de supetão, sobretudo quando a interpretação é subscrita pelo presidente da corte maior, num contexto onde a parte legitimada para deliberar sobre a existência de crime de responsabilidade foi a mesma que acatou a decisão.
     A decisão, também,  foi acatada pela própria autora do impeachment que sustentou a tese do crime de responsabilidade praticado pela presidente Dilma, exposta pela mídia como o arauto da integridade, com uma naturalidade espantosa, dando entrevistas no sentido de que, ao invés de sentar o pau na fraude perpetrada no julgamento, em relação ao tema da perda dos poderes políticos, ao contrário, sustentou o cabimento da interpretação dada pelo presidente do STF informando que há posição doutrinária nesse sentido. A única posição nesse sentido que nos ocorreu foi  a posição de ajoelhada pelas circunstâncias. Animais de cascos também mantém-se sobre quatro patas, o que não deixa de ser uma posição. Tudo são, mesmo, posições a que se pode comentar, ainda que não doutrinariamente.
     Vale lembrar que o atual Presidente da República foi eleito na mesma chapa para a qual foram desviados recursos da Petrobras. Ele não sabia. Eles não sabiam. Você sabia que o sabiá sabia assobiar? Quem sabe alguém saiba de algo. O sabiá que se dane.
    A pressão entre poderes não tem outra causa senão o levantamento de informações obtidas pela operação lava a jato e outras operações menos conhecidas. Se você me condenar eu mando fazer uma auditoria para saber se você ganha mais do que deveria ganhar. Se você me entregar, eu lhe entrego também. O tempo que vou levar para promover as decisões judiciais que me cabem e como irei decidir dependerá do que você irá fazer no Senado ou na Câmara e, vice-versa, e vice-versa, e vice-versa, numa espécie de dízima periódica direta e reversa que pode mudar de sentido a qualquer momento.
     Há no país duas repúblicas operando. A república das elites do Brasil e a república pro forma estabelecida para a sociedade em geral, em especial aquela que não mantém qualquer vínculo com o Estado. A primeira das repúblicas, está sendo devastada pela operação lava a jato. Suas vísceras estão sendo expostas e, conseguindo-se rasgá-la por inteiro, morrerá, Oxalá assim aconteça.  A segunda das repúblicas está despertando enquanto tal. Devagar, é verdade, mas despertando. Se acordada fosse, por um despertador nuclear,  cujo som produzisse a realidade, uma revolução se imporia. Uma revolução de verdades. 
     A república falsificada será exposta pela perícia popular. A sociedade demonstrará que ela se sobrepôs ilicitamente sobre a república de verdade. A democracia, após séculos, dá sinais de vida. Eu a sinto desejando o parto ansiado pelos brasileiros há séculos. A república de verdade quer evidenciar-se enquanto possível. Nós já sentimos as primeiras  contrações do parto porvir. Cuidemos da gestação dessa república que deseja ardorosamente nascer. Escute o seu coração! Diga não ao aborto das possibilidades.    
     Enquanto ex-presidentes expõe a sua inferioridade moral argumentando que a lava a jato não tem consciência dos prejuízos que está causando à economia do Brasil, um grupo de profissionais labora no sentido de facilitar o parto de onde nascerá a republica de verdade, formada de apartados sociais, outrora só presente nos discursos falaciosos dos integrantes da república de mentira.
      O líquido amniótico da nação que nascerá, lavará a alma da nação, sedenta pelo verdadeiro nascimento de república de verdade. Ela nascerá na república de Curitiba, uma espécie de república responsável pela fase de transição entre a morte da primeira e o nascimento da segunda. Os espelhos estão sendo quebrados. Espelhos tortos, suas imagens reais ou virtuais, o jogo de focos, terá fim. Veremos o que há para ser visto tal qual se apresentar aos nossos olhos.
       Montesquieu e Rousseau: descansem em paz. 
     PS: Acabamos de ouvir a notícia de que a operação lava a jato recebeu o prêmio da organização transparência internacional. O mundo premia o trabalho que vem sendo feito por aqui. Nós, os apartados sociais, os que não tem convívios maiores com o poder, não podemos fazer outra coisa que não o integral apoio aos agentes do parto porvir. Cirurgiões da novidade. Parabéns lava a jato e toda a sua equipe, apareçam ou não nas mídias ou redes sociais. 

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

UMA INTERPRETAÇÃO À LUZ DA FÁBULA DO IMPEDIMENTO E DA RESPONSABILIDADE. OU: O COELHO DOIDO

"Parágrafo único. Nos casos previstos nos incisos I e II, funcionará como Presidente o do Supremo Tribunal Federal, limitando-se a condenação, que somente será proferida por dois terços dos votos do Senado Federal, à perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública, sem prejuízo das demais sanções judiciais cabíveis."



      O texto acima refere-se ao parágrafo único do artigo 52 da Constituição da República Federativa do Brasil. A matéria regulada pelo Texto Constitucional diz respeito à atribuição de competências privativas para o julgamento de agentes políticos nos crimes de responsabilidade, competência esta deferida pela Carta Maior ao Senado Federal. Os incisos I e II referenciados no parágrafo supra destacado refere-se, respectivamente, aos legitimados passivos Presidente da República (e outros) e Ministros do Supremo Tribunal Federal (e outros). Aqui, tendo em conta o fatídico episódio ocorrido no julgamento da Presidente da República e o chamado "fatiamento" da decisão,  sob as barbas do Presidente do Supremo Tribunal Federal, através de um processo operado  sob a sua presidência, fixaremos nosso comentário na figura do chefe do executivo, não significando que o circo onde representam-se os poderes não estivesse armado, com todos os seus personagens, suas máscaras e alegorias, para o deleite e a felicidade de todos.
     É preciso, antes de mais nada, destacar que o ambiente onde se operou o julgamento reuniu todos os poderes, destacados por se referirem à cúpula do poder, nas funções executiva, legislativa e jurisdicional.
     Voltemos ao parágrafo único do artigo 52 constitucional, e, em sua análise, lançamos um desafio: ao ler o texto da norma ali contida, você, cidadão alfabetizado, qualquer que seja o seu nível de escolaridade, consegue inferir outra interpretação distinta daquela estabelecida pelo legislador constituinte senão aquela cujo resultado aponta para a lógica de que a inabilitação do condenado por crime de responsabilidade é a consequência inevitável de sua condenação à perda do cargo? 
     Se você estiver cabreiro diante da indagação que propomos em forma de desafio, imaginando, que por não conhecer o sistema legal, na condição de jurista, advogado, bacharel em direito, dentre outros, possa haver alguma explicação de cunho doutrinário e técnico capaz de, dado o seu desconhecimento do direito, especialmente o direito constitucional, ocultar conceitos dos quais você não tem conhecimento e que isso, eventualmente, possa ser obstáculo para uma opinião mais acurada sobre o tema, jogue sua dúvida no lixo, pegue o seu receio e o destaque, ainda que temporariamente, no armário das elucubrações naturais que se poderia empreender sobre o tema, feche a porta e tranque-as, pois nós lhe asseguramos serem desnecessárias para enfrentar o desafio proposto.
     Ao limitar o texto contido nesse parágrafo único, a perda do cargo, com inabilitação, por oito anos, apegando-se apenas na leitura do texto, é possível interpretar em outro sentido senão o de que, a sequela inexorável da perda do cargo é a inabilitação política, diante da expressão "com inabilitação", inserida entre vírgulas, utilizada como oração explicativa adjetiva (jamais como aposto), qual seja, que "a perda do cargo" será evidenciada necessariamente com "inabilitação", seguida, ainda, de mais uma oração explicativa adjetiva, qual seja, "por oito anos". 
     Ainda que não se conheça muito de análise sintática, como é o nosso caso, aqui aludida apenas para fazer notar que os textos são interpretados, de forma literal e lógica, no contexto de sua alocação na estrutura da frase, se expuséssemo-la a um adolescente que frequentasse o ensino médio, ao interpretá-la,  não temos a menor dúvida de que seria introduzida no processo mental desse adolescente a ideia de que a inabilitação por oito anos traduziria a sequência lógica que o texto teria querido fazer referir, caso houvesse a condenação de alguém pelo crime de responsabilidade, na forma em que a norma (o texto) está estruturado. 
      A Genetriz Estatal quer chamar a atenção do brasileiro para um aspecto desse episódio político de suma importância. O óbvio está sendo transtornado abruptamente pelo circo armado em torno desse julgamento. Nada autoriza a interpretação de que a decisão  possa ser cindida (ou fatiada, como se tem dito). Embora o texto seja claro, por um certo senso de prudência, as pessoas estão acompanhando os "juristas" e "especialistas" falarem isso ou aquilo sobre o tema, pretendendo tirar leite de pedras e, o que é pior, alimentando o debate do tema sob o signo da desconstrução do óbvio, o que, por óbvio (o óbvio verdadeiro), não se pode admitir. Não se interpreta. Constrói-se gradativamente uma fábula. A mensagem pretendida? Não olhemos mais para o retrovisor da história. Pacificar é preciso (lição repassada). A lição de moral desse estilo literário na atual versão dos fatos: conhecerás a paz e a mentira vos libertará. Paz com maionese, pão e mortadela exegética.
     Repudia-se veementemente o procedimento adotado pelo Senado, enquanto órgão julgador (nesse caso) e, mais do que veementemente, pela fraude perpetrada pelo presidente do supremo tribunal federal (em minúsculas, ainda, pois a fábula prossegue na nossa historinha) , nesse país chamado brasil (com pedido de perdão pela insistência, em relação ao uso de minúsculas), no processo de nossa democracia (se pudéssemos criar uma minúscula de uma minúscula, escreveríamos com ela). 
     Nessa fábula, e, é claro, estamos diante de uma fábula, pois num país de verdade isso jamais aconteceria, há personagens interessantes, como aquela do lobo que se esconde atrás da pele do cordeiro para devorar o rebanho inteiro.
     Ressaltado que o presidente do supremo tribunal federal (vide nota sobre minúsculas) presidiu o processo e que esse órgão (a partir de agora, para não ser redundante, avisamos que as minúsculas predominarão nesse texto) é o responsável pelo controle da constitucionalidade no estado brasileiro, num julgamento que reuniu a cúpula do legislativo e do executivo, cumpre-nos agora descolorir uma personagem que tomou conta da mídia nos últimos tempos, na condição de arauto da expulsão dos "bolivarianos" , defensora da ética e contundente protetora das gerações futuras, empreendendo um "tenaz" combate contra a corrupção,  que invocou Deus (aqui abre-se uma exceção, pois minúsculas são inadmissíveis) em seus discursos, uma espécie de Joana D'arc da legalidade, bramindo como leoa justiceira em defesa do povo brasileiro.
      Numa vídeo divulgado pelo youtube, deparei-me com uma entrevista da da Dra. Janaína  logo após o término da sessão legislativa histórica, onde, em síntese, já com uma expressão muito diferente da costumeiramente construída durante esse laborioso processo, ressalta que o fatiamento da decisão é "muito debatida pela doutrina" e que, embora tivesse fundamentado sua defesa nos conceitos do jurista Paulo Brossard, a tese que logrou êxito no quesito "cindibilidade da decisão", foi, vejam só, a do jurista Michel Temer. Ops! Sim. O presidente que na mesma data foi empossado em caráter definitivo (definitivo no Brasil quer dizer "definitivo em tese", uma vez que ações serão perpetradas por ambos os personagens, os da acusação e os da defesa - o que é no mínimo curioso). 
     Segundo Joana D'arc, digo, a Dra. Janaína, e aqui eu peço sua atenção, aliás, sua mais profunda atenção, ela entende que não cabe ao supremo apreciar o mérito da decisão. Tanto a defesa não pode recorrer contra a decisão que reconhece o cometimento de crime de responsabilidade, quanto a acusação não pode recorrer  da decisão (i) que determinou o fatiamento das decisões (houve crime? Deve ser inabilitada?) e "julgou" (uso a minúscula da minúscula aqui...faz de conta) que a presidenta impedida não será inabilitada.
     O circo colorido das conjecturas circula no caleidoscópio do poder, girando em círculos e provocando formas variadas de enxergar coisas, como se o objeto e sua imagem estivesse rodopiando entre pedrinhas coloridas e brilhantes (pedacinhos de coisas) e um espelho multifocal (admite imagens reais e virtuais ao mesmo tempo).
     Nesse exato momento, sentimo-nos traídos. Até onde pode chegar a inescrupulosidade intelectual  de uma pessoa. Ao fazer apologia no sentido de que "nem defesa e nem acusação podem recorrer", seguida da expressão adocicada muito utilizada pela doutrina "no meu entendimento", nada mais faz do que impingir no imaginário da população brasileira, valendo-se da imagem icônica construída ao longo do processo, a impressão de que "muito provavelmente deve estar falando a verdade".
     Verdade seja dita. Uma falácia se consolida no cenário político brasileiro.
     Apenas para argumentar, imaginemos que, na nossa fábula, as regras de interpretação operassem com a lógica de Alice, claro, no país das maravilhas. O coelho maluco, na hora do chá, repetiria insistentemente que a rainha louca foi condenada. As cartas, marcadas ou não, dançariam no centro do pátio do planalto em comemoração, misturando-se ao som alegre sob o ritmo de um trotto, celebrando o ocorrido. Cartas de ouros, por assim dizer.
     O coelho maluco berrando aos quatro cantos, foi crime, foi crime, foi crime. Alice, após deglutir um pedaço de bolo de cogumelo mágico, muito louca, foi ficando grande, maior e maior, magicamente maior. Qual foi a pena? Pergunta um incauto. Nenhuma, nenhuma, nenhuma, responde o coelho sem tirar os olhos de seu relógio. Alice, sem entender o porquê, vê a sua estatura diminuindo, ficando cada vez menor, menor e menor. 
     Um crime de responsabilidade cometido pelo chefe do executivo não recebe qualquer punição, ainda que política. Faz sentido?
     Mas Joana D'arc pensa que sim. Quem ousaria refutar a tese heroica de nossa personagem? Nesse contexto, ninguém. Ops! Nós. 
     Ao defender a tese que a própria acusação não pode recorrer dessa esdrúxula decisão, ela, a própria patrocinadora do pedido de impedimento da presidente, está , em linhas gerais, fatiando uma consequência imposta pelo Texto Constitucional (o verdadeiro, por isso em maiúscula) digamos, "infatiável". Depois de muito recurso público despendido com esse processo, pois não há almoço grátis, gratificações extraordinárias devem ter sido pagas aos "nobres" representantes do povo", ao presidente do supremo (super minúscula dada a fábula) e todos os artistas do teatro mambembe ali operado, o "toma lá, dá cá" restou evidente. 
     A criminosa, por delito de responsabilidade, não recebe uma pena. A autora da acusação ratifica esse entendimento. Tudo bem, diz o coelho maluco, os membros do poder judiciário também,  não raras vezes, são aposentados quando cometem disparates criminológicos.  Certamente será albergada em algum cargo público para fugir da 13ª Vara Criminal de Curitiba, a boa e velha República de Curitiba (maiúsculas maiúsculas). 
     A praça dos três poderes erguerão três taças de champagne. Eu, tu e eles, personagens do empoderamento formal de uma republiqueta da América do Sul, que aos olhos do povo parecem se referir aos poderes legislativo, judiciário e executivo, o triângulo de bermudas, misterioso espaço onde tudo desaparece misteriosamente, consolidam uma realidade deplorável, semelhante a mais deplorável ressaca advinda do mais deplorável porre que se possa haver experimentado na vida.
     O povo, continua bebendo o estranho líquido da garrafa colocada a sua frente, e, também, a frente de um estranho bolo etiquetado com a ordem : coma-me! Como Alice, fica grande e pequeno ao sabor dos ventos, sendo certo que a toca onde se viu ocultado da realidade é escura, muito escura e, por isso, ao permanecer nela, remanesce com suas pupilas constantemente dilatadas, enxergando tudo de forma embaçada, e, o que dá pena, comemorando mais um engodo a que foi submetido. 
     Um dos legitimados passivos que podem cometer crimes são os ministros do Supremo Tribunal Federal, inclusive e sobretudo o seu presidente, mas a qual Senado recorrer?
      Após a entrevista da Doutora Janaína, não temos dúvida: fomos novamente enganados. Mas a experiência é um tônico para infortúnios futuros, uma espécie de vacina naturalmente produzida pelo corpo de toda uma sociedade. Produz anticorpos poderosos e um dia essa doença, a mentira, será erradicada de nosso sistema. 
      Para nós, o parágrafo único do artigo 52 da Constituição Federal, deve ser emendado. O que não se emenda nesse país, afinal de contas? Sugere-se o seguinte texto:

"Par. único: Vão se danar acusados, acusadores e seus respectivos patronos". Vão se danar também todos os julgadores. Ficam ab-rogadas todas as disposições em contrário". 




   
     TODO PODER EMANA DO PODER E EM SEU NOME SERÁ EXERCIDO, POR MAIS DURA QUE POSSA PARECER A QUALQUER UM DO POVO ESSA BRUTAL REALIDADE. (EMENDA SUGERIDA PELOS PODERES).

     Link da reportagem da Dra. Janaína:  https://youtu.be/c1DVAhFbxBI


quarta-feira, 13 de abril de 2016

O DIA EM QUE A SEMI ASSASSINOU A ÓTICA NO PLANO DAS SIGNIFICAÇÕES POLÍTICAS: O GRANDE GOLPE

     As palavras tem força e poder. São mágicas. Expressões como "democracia", 'Estado Democrático de Direito", "golpe", "ditadura", "coxinha" atrelada à opção política de "direita" e "caviar" , atrelada à opção política dita de "esquerda", vão ganhando conotações modernas e transfigurando o seu sentido ao sabor das intencionalidades. 
     Outras palavras caíram no modismo de seu uso como "intervenção", esta associada à palavra "militar", ao poder judiciário, ao poder executivo e ao poder legislativo, ao poder do dinheiro, ao poder do tráfico de entorpecentes, ao poder das grandes construtoras, ao poder do pão com mortadela e ao poder dos sindicatos.
      Poderíamos ir além, para aludir, por exemplo, ao exército do Stedile ou ao silêncio inexplicável do exército do Brasil. Sua existência significativa talvez possa ser explicada à luz dos interesses postos em jogo.  Um jogo de cartas marcadas onde só há um vencedor. O poder. 
     Sentido, palavra outrora vinculada à exposição física do corpo à fenômenos igualmente físicos e externos, ou, quiçá, à expressão do impacto causado por uma emoção ou quem sabe, ainda, como referência de movimento de um vetor de força ou corpo no espaço, atualmente é utilizado como sinônimo de qualquer coisa que se queira, pois tudo faz sentido, ainda que não faça sentido pensar assim.  
     Os argumentos todos, da direita, da esquerda, dos ascetas, dos apaixonados, dos funkeiros, das prostitutas, dos padres, dos pastores, dos terreiros de candomblé, tudo, exatamente tudo, faz sentido quando se explica suas ocorrência sob o ângulo da autorreferência.  Por exemplo: nossa matéria de hoje faz sentido. Não faz? Em que sentido? Para nós faz todo o sentido. Mas não ficamos sentidos com eventuais oposições.
     Pedalada, por exemplo, hoje em dia, pode significar a ação da Presidente da República ao se exercitar nos arredores do Palácio do Governo em movimentos circulares com o uso da força de suas pernas e pés sobre os pedais de uma bicicleta ou no sentido muito parecido, qual seja, aquela utilizada pela Presidente da República igualmente nos arredores do Palácio do Governo, mas relativa às contas públicas, orçamentos, decretos fantasmas, etc. Fantasmas, outrora expressão que se utilizava para identificar fenômenos espectrais de possível visibilidade, a indicar a presença de pessoas mortas, também vem ganhando sentido próprio, tais como funcionário público fantasma, empréstimos fantasmagóricos (uma pequena flexão) e doações de campanha fantasma. Nós, aplicamos, ainda, à oposição. Oposição fantasma. Imagina-se que possa existir, mas nunca são vistos, pelo menos fazendo oposição.
     Dentre todas as acepções deturpadas pelo contexto do seu uso, a expressão golpe é a que mais nos preocupa. O golpe mais bem dado da história da humanidade ocorre em solo pátrio. O golpe das significações. 
     A cúpula do Judiciário intervém no plexo significativo das leis, para dizer, dependendo do cliente, que isso é direito e aquilo, contrário ao direito. Dependendo do cliente, "isso" ou "aquilo" também podem variar de significação e, se isso ocorrer, muda-se toda a interpretação. Palavras revestidas de aptidão para significar conceitos jurídicos são decompostas à revelia de qualquer processo interpretativo. Isso ou aquilo, se forem isso ou aquilo, podem ou não afrontar o direito, se o direito for entendido como isso. Se for entendido como aquilo, é preciso recontextualizar. Caos também passou a significar outra coisa, mas se entrarmos no mérito do conflito, talvez tenhamos que impedir a existência de órgãos judiciários no país. Talvez cheguemos à conclusão que sua existência é uma miragem ou a paragem em um ponto do sono em que nos habituamos a jamais despertar. A tal ponto que negamos a realidade em si mesma (por não nos lembrarmos de como era ela quando um dia estávamos acordados).
     O legislativo costura uma Constituição Federal tida como rígida com a facilidade de quem cose um vestido que nem chegou a ser usado, só porque saiu de moda. Moda é o que eles determinam que seja. Você está, pois, na moda.
     O executivo não mais tem referência sobre o quê executar, pois a Constituição está sendo cosida, cozinhando o saco e o grelo duro de todos os brasileiros e brasileiras. Ele executa sua própria loucura.
     No plano dos significados, temos que os poderes legislativos, executivos e judiciários de todas as instâncias, estão significando outra coisa. Qualquer outra coisa. Nossos filhos discordarão de nós, pois, ao seu tempo, será absurdo admitir que os poderes devam realmente ser independentes e harmônicos, pois terão sido convencidos que dividir as funções constitucionais é um golpe sem precedentes, um golpe contra a União, pois a expressão União, não mais estará designando o ente político abstraído como resultante da federação, mas união de tudo o que deve ser unido. Igual arroz mal cozido, o chamado "juntos venceremos". 
     Golpe, se existe, está sendo configurado gradativamente no imaginário da população. Nada significará o que é, em seu sentido literal, de acordo com a gramática, no contexto das regras da sintaxe, à luz dos sentidos que a razão poderia fazer inferir.
     Sem que os fenômenos políticos, jurídicos e sociais possam ser explicados à luz da lógica, é impossível organizar o que é república, o que é federativa, o que é Brasil. Chuta aí qualquer coisa que a chance de você acertar é muito grande. Se não ousar chutar qualquer coisa para explicar o Brasil, a sua chance de acerto pode ainda ser maior. Pois certo e errado saíram de moda. É fruto da mente de reacionários que não querem que as coisas mudem. 
     Você continuará onde está, sentir-se-á livre para dizer o que pensa, poderá até criar um código particular de dizer, onde somente você entenderá que está certo e todos os demais serão realojados à óbvia reputação categorizada por você como errados. Quando for pagar impostos, em momento posterior, chame-o de amor. Quando a conta de sua luz aumentar sem qualquer critério de legalidade, chame de carinho estatal. Quando for ao mercado e notar que os preços das mercadorias de necessidade básica subiram astronomicamente, chame isso de fraternidade cósmica.              
     Quando precisar de um atendimento no posto de saúde e notá-lo sem profissionais, estrutura e remédios, chame isso de hambúrguer. Quando estiver velho e tiver contribuído durante anos à previdência obrigatória e receber, quando isso ocorrer, uma mixaria ou quando precisar se afastar da relação de emprego por motivo de doença ou acidente de trabalho e ter que se humilhar perante o INSS e receber pelos meses afastados somente cinco meses depois, chame isso de ioga tradicional. 
     Quando verificar que o partido de sua preferência possui os seus principais criadores na cadeia e condenados pelos juízes que indicaram e sequer foram expulsos do partido, e ainda são tratados como heróis revolucionários,  chamem isso de caridade.
     Quando notar que  todos os tesoureiros do partido que você escolheu  forem condenados e que as pessoas sérias do partido o deixaram e hoje pedem o impedimento da presidente que você ajudou democraticamente a eleger pelo mesmo partido, chamem isso de mentira da oposição.
     Quando o líder sindical que veio do povo, nordestino e pobre, principal personagem político da história de seu partido, é investigado em outros países,  utiliza-se de laranjas para desviar recursos escusos e tudo o que usa é de algum amigo seu, chame isso de bobagem. Certamente, se você estivesse no lugar dele acharia normal que a coisa se processasse dessa forma. Quando a família do líder operário que aprendeu a admirar enriqueceu sem motivos explicáveis à luz de qualquer teoria econômica plausível, e, ao saber disso, você ainda não acreditar, chame isso de taoismo.
     Quando for votar nesse mesmo partido que lhe rouba cotidianamente, mesmo sabendo disso, chame isso de exercício arbitrário das próprias razões, legítima defesa ou estado de necessidade.
    Quando você, por estar recebendo propina de governos,  subvenções governamentais a sua ONG ou qualquer forma pelo qual você se locupleta dos impostos suados pagos por todos os brasileiros, se posicionar contra o impedimento da Presidente da República que lhe proporcionou tudo isso,  chame o fenômeno de dadaísmo espectral.
     Quando você, membro do judiciário ou do Ministério Público ou da polícia, utilizar-se de suas escolas de magistraturas e correlatas para viajar pela Europa, fazendo turismo às custas do mesmo imposto pago pelos brasileiros, ou quando passar mais tempo fomentando cursinhos de formar agentes públicos do que julgando,  chame isso de apostasia espiritual. 
     Quando você estiver perdendo alguma boquinha dentre as milhões que se servem do orçamento público fingindo que produz algo de útil à sociedade à margem da lei ou da moralidade, com plena consciência disso, chame isso de GOLPE. 
     Não deve ser à toa que a maioria das pessoas que são contra o GOLPE vem do funcionalismo público pertencente aos clãs que obtém vantagens pessoais, como professores de universidades públicas que vivem fora do país enquanto os seus substitutos assumem toda a sua função estatutária, membros do MST e da CUT e SINDICATOS, cujas caixas pretas  começam a ser dedilhadas por quem realmente não perdeu, em seu léxico, o sentido verdadeiro da expressão "interesse público". O restante do funcionalismo que não se locupleta do Estado e labora com zelo pelo  funcionamento de seu segmento, mesmo sem receber os seus salários em dia, pode-se chamar de heróis da resistência. É fácil notar a diferença entre uma e outra espécie: os primeiros exercem cargos em comissão e ocupam o serviço público com diploma de nível superior; os segundo ocupam cargos técnicos e trabalham por ambos. Os primeiros têm bom relacionamento político, os segundos apenas trabalham.
     Se você entendeu nosso texto, chame isso de congruência. Se você não entendeu nosso texto, chame isso de batata doce, arritmia cerebral ou baboseira. Você não nos importa.
     Golpe significativo: chamar o que é pelo que jamais fora e fazer, por um processo gradativo de idiotia coletiva, tornar absurdo que o que é seja o que é.
     Contragolpe: Fazer com que o sentido das coisas não sejam outra coisa senão o que verdadeiramente são. 
     Mas tudo é relativo.....isso é golpe, escutamos em algum lugar.
    Imagine que estamos com um martelo sobre sua cabeça e o batemos com força sobre ela. Isso é um golpe, no sentido literal. No sentido figurado, isso é apenas um cascudo para despertar sua inteligência. Viva o Golpe...dos martelos da sensatez.






quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

UMA "CONSTITUIÇÃO" ENTRE ASPAS OU UMA "INTERPRETAÇÃO" DESAUTORIZADA?: O DILEMA DA ANTÍTESE CONTRA A TESE; OU AINDA: EMENDA JUDICIAL DA CONSTITUIÇÃO.

"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória".    
     Esta é a disposição literal contida no inciso LVII do artigo quinto da Constituição Federal. Recentemente o órgão de cúpula do Poder Judiciário - STF - admitiu o cumprimento da sentença penal condenatória antes mesmo do trânsito em julgado da sentença condenatória. O entendimento esposado foi o de que, havendo a confirmação da sentença por um órgão de segundo grau (tribunais), a presunção de inocência se deteriora, uma vez que os julgamentos nos tribunais são realizados por órgãos colegiados e em caráter de revisão. Apoiou-se, ainda em comparações com o que ocorre em outros países, mas não chamaremos de direito comparado, uma vez que a estrutura política dos países que também adotam o Estado   Democrático de Direito como referência e modelo paradigmático é distinta da do Brasil. Seria comparar a mesma coisa em ambientes distintos.
     A Genetriz Estatal tem a obrigação de comentar sobre a referida decisão para refletir sobre os seus efeitos na sociedade brasileira. Não sendo um espaço exclusivamente jurídico, o juridiquês é de plano abolido, bem como complicações argumentativas pseudo-complexas que enfeitiçam o leigo buscando apartá-lo do debate franco e direto e  que geralmente não chega a lugar nenhum.
    Para começar, vamos colocar o leitor a par do contexto onde está inserida esta cláusula constitucional conhecida por presunção de inocência. Ela está inserida em um Capítulo da Constitucional que regula os direitos e garantias individuais e coletivas. Vamos explicitar melhor o que isso significa. 
     A Constituição tem por finalidade organizar a estrutura do Estado, definindo sistemas e regimes de governo, poderes, competências, etc.. O legislador constituinte, aquele que foi eleito especificamente para discutir, votar e sancionar um novo modelo de Estado, após o regime militar, estabelecendo com isso uma nova ordem (política, de valores, etc.), fixou regras de limitação ao poder do Estado. Esse tipo de regra busca evitar que a loucura dos homens que assumem o poder não seja tentada a elaborar leis que possam se constituir em abusos contra a sociedade (a que permitiu e consentiu com essa nova ordem).
     Fica fácil entender quando notamos alguns casos em que chefes de Estado/governo eleitos pelo povo para um determinado período de tempo,  cobiçosos do que pensam que são no exercício desse poder, convencem à massa de populares a alterar a Constituição para, por exemplo,  permitir que possam ficar por mais tempo no poder, ou, quando a alteram para atribuir a si próprios o poder para indicar, em caráter exclusivo, os membros do Poder Judiciário que julgarão os seus atos/leis ou mesmo para, rompendo com a autonomia dos poderes, atribuem-se poderes legislativos, alterando unilateralmente as definições acerca da tipologia dos crimes, ainda que de forma indireta ou sub-reptícia (depois que o pratico, reformo as regras para me excluir da sua abrangência).                  
     Alteram a estrutura das constituições para poder fazer o que bem entenderem, de forma que o Estado que governam passam a ser outra coisa, a outra coisa que desejaram que fosse. Isso ocorreu na Venezuela, na Bolívia (vide a alardeada consulta popular recente para permitir a - de novo - reeleição de Evo Morales). A Bolívia mudou a sua denominação de República da Bolívia para Estado Plurinacional da Bolívia (seja lá o que isso venha a significar) em 2009, o que demonstra, de alguma forma, a bananada com açúcar que pode resultar quando não se limita poderes e, por força dessa ilimitação, o povo é alimentado com  a arcaica política das bandeiras ideológicas ou com acepção de raças. Mas bananada é bom e com açúcar fica melhor ainda. Batem os tambores caudilhos...Escutaram?
     Mas o que importa para esta matéria é recordar que a norma que institui a presunção de inocência tem a natureza de limitação de poder. É tão importante compreender esse conceito que vamos repisar o tema até que ele ganhe a forma de nossos pés. Normas que limitam poder servem, basicamente, para evitar que ditadores, loucos, ladrões, psicopatas, sucateiem os valores e princípios consagrados, por isso mesmo, na Constituição Federal, como resultado do pacto federativo e social que determinou a sua existência enquanto instrumento consolidador do Estado. São, também,  normas de garantia (de limitação de poder) o direito a liberdade, igualdade, segurança jurídica, propriedade, livre manifestação do pensamento, legalidade, etc. Espero que a importância das normas de limitação de poder comecem a ganhar forma na cabeça do leitor. Vamos adiante.
     Tais direitos e garantias individuais são tão importantes, mas tão importante, que o legislador constituinte (aquele eleito para criar uma nova ordem através de uma nova constituição) apontou no Texto Constitucional a proibição de alterá-los através de Emenda Constitucional (as chamadas cláusulas pétreas): imutáveis e inalteráveis ad infinitum, a menos que uma revolução desestabilize a ordem constitucional.
     Ora, se o legislador constituinte,proibiu que se alterasse, inclusive por Emenda à Constituição, tais direitos e garantias, com que autoridade o Supremo Tribunal , ao julgar a sua constitucionalidade, emprestou uma interpretação totalmente desautorizada do texto que institui a chamada presunção de inocência?            
     Iniciamos o texto entre aspas porque a presunção de inocência, outrora respeitada (pelo próprio STF) em seu comando normativo expresso - ninguém será considerado culpado + após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória -  qual seja, após a decisão contra a qual não caiba mais nenhum recurso, por entendermos que a literalidade da disposição não encontra espaço para sadismos no processo de sua compreensão.
     Sabemos que ao escrever a palavra recurso, provocamos na memória coletiva do país o ranço que se tem quanto à quantidade de recursos interpostos por advogados pilantras, tantos que parecem não ter fim, como se diz por aí aos borbotões. Compartilhamos do ranço quanto à quantidade de recursos que parecem não ter fim mas não compactuamos com qualquer ou a menor possibilidade de um órgão judiciário  de cúpula, interpretar uma norma constitucional  pervertendo sua expressa e literal disposição (porque o conceito de trânsito em julgado é técnico-jurídico) para atender questões circunstanciais no conflito político (e pessoalizado) que se abateu no país. É um órgão de cúpula, não de cópula, salvo a deodôntica (guaraná em pó é guaraná em pó e não pode ser interpretado como sabão em pó, por melhor que sejam as intenções de limpar o que está sujo) e nos termos constitucionais
     O legislador constituinte  condicionou a constatação da culpabilidade à ocorrência de um evento certo e futuro, qual seja, a ocorrência do trânsito em julgado,  fazendo-o de forma expressa e literal,. Como se trata de normas de limitação do poder do Estado, nada mais fez o constituinte (o que originalmente criou o texto constitucional) do que informar ao legislativo - porque as regras de limitação são destinadas ao Poder Legislativo - para que direta ou indiretamente não se utilize do processo de elaboração de leis para limitar essa garantia constitucional - e, não o podendo inová-la o próprio legislativo, órgão regulador de condutas, jamais poderia violá-la o próprio órgão responsável pela guarda e controle de constitucionalidade, responsável por dar dicção ao direito constitucional.
     O correto, pensamos, seria promover uma reforma legislativa para inovar o sistema de recursos,  no contexto processual, transformando-o em algo mais efetivo, racional e eficiente (sempre nos termos da Constituição). Quando o poder judiciário, através de seu órgão de cúpula,  cuja competência é estabelecida pela mesma constituição que irá interpretar,  observa-se, ele próprio, a descumpri-la,  suprimindo parte de sua disposição ("após o trânsito em julgado...") para, de forma falaciosa, alterá-la às avessas, a pretexto de interpretá-la,  o sinal vermelho deve ser acendido em caráter de urgência. Ele está assumindo a função constitucional que é atribuída pela Constituição ao poder legislativo, num contexto onde mesmo este está proibido de inovar..
     Querem colocar para debaixo do tapete o real problema: total falta de estrutura do poder judiciário e sistema processual teratológico (monstruosamente ineficiente, arcaico e ilógico). Ambos podem ser alterados/aprimorados sem qualquer eivo de inconstitucionalidade. Reflita cidadão: porque o próprio órgão do poder judiciário competente para salvaguardar a Constituição interpreta abobadamente uma norma constitucional se uma reforma legislativa e processual e uma reformulação da estrutura judiciária não afrontariam (tese) qualquer dispositivo constitucional? Pensem. Mas pensem também na briga de foice (forma de dizer né) que divide interesses entre os órgãos de cúpula do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário. Fazer uso político de um (ou mais) órgão de cúpula para tutelar interesses pessoais ou de grupos de poder afins é, por si só, patente afronta à Constituição Federal.
      O interessante (se a Constituição foi elaborada com razoável unidade lógica entre seus dispositivos) é refletir sobre o que ocorre quando o órgão responsável por zelar pela Constituição deixasse de cumprir este mister, ou, o que é pior, agisse de forma, digamos, antifuncional, inobservando-a por motivos fúteis, mesquinhos ou criminosos. Estaria prevaricando? Estaria infringindo deveres de responsabilidade , em alguns casos reputados crimes (afronta à direitos e garantias individuais, - art. 7º, item 9 da lei 1.079/50)? Ou, o que nos parece mais ilógico, perigosamente ilógico: poderia o STF mudar o texto expresso de norma constitucional que se evidencia como cláusula pétrea, suprimindo de seu conteúdo a parte mais importante dela?
     Veja-se: não estamos diante de uma abstração, como, por exemplo, ocorreria  se o supremo fosse aplicar a norma constitucional que alude à dignidade da pessoa humana, pois o nível de abstração dela é alto e seria necessário conhecer o caso concreto para aplicar o conceito de dignidade da pessoa humana, elástico na acepção que faz sugerir e significar. Estamos, sim, diante de uma norma que é expressa ao exigir o esgotamento dos recursos no prazo legal até o trânsito em julgado da decisão.
      Não se lê na norma que institui a garantia da presunção de inocência que uma pessoa só pode ser considerada culpada após o exame de sua consciência (o que seria abstrato), mas se lê que ninguém pode ser reputado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Antes disso, o crime não foi configurado, pois a culpabilidade, esta que somente se estabilizará no processo após o trânsito em julgado, é elemento da estrutura do crime. Sem culpa formada, não há crime.
     A reflexão que se  traz no dia de hoje diz respeito à inobservância de comando constitucional expresso. Hoje é a afronta da presunção de inocência, amanhã (e que foi ontem) o direito do fisco de obter informações sigilosas de natureza bancária ou fiscal sem mandado judicial. Se a coisa evoluir, o sofismo no processo de interpretação das normas constitucionais podem concluir, por exemplo, que a liberdade é relativa e depende dos interesses do Estado (leia-se: dementes por poder ocupando cargos públicos) , ou que a segurança jurídica, por prescindir da existência do Estado, deve dispor de sua natureza de limitação de poder,  já que é ele - o Estado -  quem tem o poder de dizer o direito; ou interpretar que a propriedade deve cumprir a sua função social, entendendo-se por função social tudo aquilo que o Estado, por seus órgãos, entender que seja. Não é o afã pela prisão de criminosos (sobretudo os de colarinho branco) num tempo menor (o que é razoável exigir pela via constitucional correta) que está em jogo, mas a quebra da estrutura do único instrumento jurídico capaz de limitar o poder do Estado, qual seja a Constituição.
     Se isso não for imediatamente questionado, inclusive pelo Senado, que é quem detém a prerrogativa para julgar os Ministros do Supremo Federal (dados pela Constituição) nos casos de irresponsabilidade política, todas os direitos e garantias instituídas pelo legislador constituinte sofrerão uma mutação gradativa e silenciosa de natureza axiológica e exegética, alquimia que não produzirá o ouro do chumbo, mas o chumbo do ouro, pela degradação de suas qualidades intrínsecas. É função intrínseca do STF interpretar a Constituição Federal e guardá-la em sua unidade. Se ele a vilipendia frontalmente, então, algo de muito estranho vem sendo gestado no útero de nossa democracia.
      Cometemos o impropério de começar nosso texto com aspas. Desculpe-nos. Foi preciso iniciar ressaltando o texto para depois identificar o contexto de sua inobservância.. Enquanto eles saltarem sobre a Constituição, nós ressaltaremos nossa dúvida.  A melhor fundamentação de uma decisão tomada por um desgoverno é omiti-la. A decisão ou a fundamentação? - indaga o povo, já que o texto não é claro -  (o que foi omitido afinal?): amanhã eu lhe digo. Eu quem? - insiste o povo. O Estado, que sou eu mesmo, respondem eles. Arrematam em tom amigável: afinal, eu sou vocês.
      Por questão de estética, encerraremos nossa reflexão com aspas:

"A Constituição Federal está entre aspas". "Sua liberdade também". "Liberdade" entre "aspas". Aspas, elas próprias, entre "aspas".

Obrigado pela "atenção".

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

ORDEM E PROGRESSO: O AMOR E SEUS PILARES.

     O Brasil traz estampado em sua bandeira a expressão de cunho positivista: Ordem e Progresso. Muitas críticas tem sido empreendidas quanto à inserção dessa mensagem no pavilhão que representa à nação brasileira. Ora por contrariedade à corrente positivista, ora por posicionamentos de cunho estético, ora, ainda, pela incongruência da mensagem em relação à natureza do povo brasileiro, a quem se reputa pechas das mais variadas, todas, pejorativamente agasalhadas com as vestes escuras do que há de mais negativo no que tange às características de sua alma coletiva. O brasileiro é.....(burro, preguiçoso, vagabundo, desonesto, corrupto, pobre, mesquinho, ignorante, burro, desinformado, vendido, covarde, etc). Se você ao menos uma vez na sua vida não se utilizou de um desses predicados para referenciar o sujeito, objeto direto e indireto de nossa matéria, certamente você não é brasileiro.
     A mensagem positivista é sintetizada pelos primados do amor por princípio, da ordem por base e o progresso por meta ou fim rebuscado. O amor não foi inserido na inscrição do lábaro pátrio. Ter-se-ia reputado inexistente no solo brasileiro? Foi excluído por se tratar de um conceito inatingível pela raça brasileira? Não. O amor está entre a ordem e o progresso, como o coração está entre o braço esquerdo e o braço direito no corpo humano. As costelas fazem a ligação. O coração, órgão representativo do amor, pulsa entre direita e esquerda circulando no fluxo existencial de cada célula do corpo nacional.
     A grande questão que se pretende levantar é saber se é possível haver ordem sem amor. Ao olhar para a nossa própria vida, notamos que a desordem faz apontar, num processo de aferição pessoal (consciência) altíssimo nível de desordem em nossa vida pessoal. Pessoas são unidades individuais que estão inseridas em algo maior, como as células de um corpo. Ao se afirmar sobre a existência de um corpo, pode-se inferir, por inevitável, pela união de milhões de células organizadas. Em que pese, ao olharmos no espelho, afirmarmos estarmos diante da imagem de nosso corpo (invertida lateralmente), estamos diante, na verdade, de milhões de células unificadas por uma ideia de totalidade.
     Nesse corpo, assim reunido por nexo de totalidade, cada ser reputa-se um, único e exclusivo. Quem em sã consciência diria a um conhecido: Nós, essas milhões de células iremos fazer isso ou aquilo? Quem, em estado de saúde (física, mental e psíquica), antes de tomar uma decisão, sentaria calmamente em processo de reflexão, para reunir a vontade de cada uma das nossas células? Células do intestino, algum comentário? Células do estômago, posso digerir isso? Células do pulmão, posso percorrer meu caminho um pouco mais rápido do que de costume? Célula do coração, é realmente isso o que você deseja? Células do cérebro, o que o coração deseja pode ser executado? Glóbulos vermelhos, vão para Cuba. Glóbulos brancos, amai vosso inimigos. 
     Poderíamos permanecer impossibilitados de nos movimentar se as células nervosas e o sistema nervoso resolvessem por si mesmos tirar um cochilo. Se cada célula do corpo pudesse manifestar-se sem levar em consideração o sistema em que está inserida (e de que depende) estaríamos num manicômio, ou, o que é pior, degradados até a condição de bactérias ou vírus ou servir-lhes de alimento.
    Há na natureza humana um nexo de integridade que reúne todas as células, em que pese a sua multifacetada distinção ontológica, num único corpo, sob a égide de uma certa ordem. Elas se doam em nome de sua própria sobrevivência e para dar existência a algo maior, mais complexo, com maiores possibilidades. 
     Se levarmos em conta essa estrutura e nos lembrarmos que somos milhões de outras individualidades, como enquadraríamos as estruturas sociais compostas por cada ser humano e suas milhões de individualidades celulares? O que é de fato uma sociedade organizada? Ora (oremos pois): uma estrutura pautada na ordem, entendida em sua acepção como individualidades que sabem o que são e o que devem fazer para manter esse brutamontes corpo coletivo: a nação. 
     É correto, pois, afirmarmos que somos reis de nosso corpo e que procuramos compreender as necessidades de suas partes para poder viver harmoniosamente. Um corpo sadio, portanto, em ordem, permite a nossa alma existir reinando nesse espaço vital nominado o "si mesmo". Basta quebrar uma unha ou sentir uma dor de dente para entender que o corpo é mesmo uma unidade. 
     Vamos dar nexo de continência ao texto. Comecemos pelos amor, primeira unidade da trilogia positivista. O conceito é explicável por milhões de fórmulas e conceitos, como o amor de uma célula pelo contexto de seu corpo. Não nos percamos no amor, pois ele carece de explicações. Nem as pede.
     O amor é a força invisível que ata diversidades e diferenças. O amor faz com que cada parte continue sendo a parte que lhe toca, e, mesmo assim, participa de algo ainda maior. A grande questão que nos toca no momento, uma vez que estamos falando da nação brasileira, é, no contexto da mensagem positivista gravada no pavilhão de nossas aspirações enquanto nação, é saber se pode haver ordem sem amor. Pensamos que não. O amor é a ordem em si mesma.
     Antes de detalharmos teses sobre a construção de um Brasil iluminado, é preciso indagar, com toda a sinceridade, o que sentimos por ele. Não se dispõe em ordem aquilo que se detesta (nem quando se detesta a si mesmo). Pelo contrário, deseja-se destruir o que é odiado. Mais do que isso: odeia-se apenas o que não se conhece. O filho de toda a ignorância é o medo. Libertemo-nos de nossa ignorância acerca de nós próprios e não temamos nossa própria grandeza.
     Quantos de nós não sentimos, em algum momento da existência, medo de ser o que somos? E quantos de nós podem se gabar de se autoconhecer? Não se tem força para colocar sob ordem aquilo que não amamos. Combinamos nossas roupas, organizamos nossa coleção de selos, selecionamos nossos livros, frequentamos nossos amigos organizando momento de encontro, tudo, porque amamos tudo isso. Você ama o Brasil?
     Hoje em dia, o conceito de ordem está vinculado ao conceito de imposição. Ordem, nessa acepção, é dar as coisas externas o mesmo sentido das internas. Por isso, ao opinarmos sobre o Brasil, desejamos que ele siga o caminho que nos pertine, olvidando que, agindo assim, estamos na mesma posição de uma célula querendo transformar todo o corpo numa réplica de si mesma. Fazendo isso, destruímos o que nos parece diferente, forçando todas as outras partes do corpo a replicarem o nosso modelo existencial. A mesma coisa faz uma célula cancerígena. Ordem é outra coisa. Ordem é, de certa forma, compreender que não posso deixar de ser uma célula, mas estou alojado no contexto de outros órgãos, como o fígado, o intestino, os pulmões, o coração, o cérebro, etc. Mais: Cada órgão está alocado dentro de um sistema (circulatório, reprodutor, etc.). Em síntese: não há ordem no espaço de interação onde habita várias possibilidades se não houver amor. Só ordenamos o que compreendemos e só compreendemos o que conhecemos. Você conhece o Brasil? (não perguntamos se você já viajou pelo Brasil, o que é outra coisa)
     O progresso é contingência do amor em ordem. É um consectário lógico que, ao ordenar sistematicamente as partes de um todo, um efeito daí advém, no sentido do progresso. Constatada a necessidade de reordená-lo (o sistema) em função de inovações externas ou por imperativo de aprimoramento e contextualização, as partes acusam inconsistências, refletindo ao todo a necessidade de mudança, para manutenção da ordem. Isso é fruto da experiência refletida, maturada e aprovada pelas partes, constatada pelas ciências e reorganizadas no amor. Sistema e ordem, alguém salientou um dia.
     Não significa amar ao Brasil, colocar células intestinais no espaço dedicado às células cerebrais. Ao invés de sinapses, o que adviria se essa alteração fosse intentada? Não podemos estar em outro local senão aquele que nos cabe pelas propriedades e talentos pessoais. Imaginemos um doutor em reprodução de grãos e genética especializada. Após anos de estudo, sua percepção do que é o fenômeno da reprodução dá-lhe uma representação acerca de plantar um grão de milho distinta da do agricultor. Mas este, sabe melhor o peso de uma saca que carrega nas costas, a melhor lua para se plantar, do cheiro da terra e o que representa em cada estação do ano. Se cada um ocupar o seu espaço fazendo uso de seu talento, certamente a sabedoria de um irá fomentar a percepção do outro, sem que se saiba bem definir qual, dentre ambos, é verdadeiramente o sábio. A sabedoria será compartilhada com tanta harmonia, que o agricultor plantará melhores grãos e o doutor compreenderá melhor o objeto de sua análise e estudo. A sabedoria não escolhe contingências pessoais, mas é como o ar, disposta a cada uma das partes que respira experiência afins.
     Que o amor pelo Brasil se instale no coração dos brasileiros. Aprenderemos algo sobre a ordem que nos cabe, quando soubermo-nos parte e reverenciarmos o todo. O progresso advirá, há de vir.
     Quando não fizermos questão de ocupar a parte que não nos cabe, seremos mestres na parte que nos toca. As células do intestino voltaram ao seu lugar, as do cérebro revolverão possibilidades e, com o corpo sadio, compreenderemos que temos uma alma. Quem sabe até um espírito (ainda que tenhamos que criá-lo à nossa imagem e para a nossa semelhança).
      O poeta estava certo. Amar é um verbo. O intransitivo da ordem, manifestando direta ou indiretamente o progresso, esse transitivo almejado pelo resultado que proporciona ao todo.
     Cumpre lembrar que o amor é circular e cíclico. Do amor ao amor maior ainda, pelo amor de Deus.
     Amor, ordem e progresso. Ver onde chegamos e amar ainda mais. Ouroboros mítica da força de toda uma nação.
     Quanto aos impropérios com os quais no rotulamos, é claro que é da boca para fora. Somente seres pacificados e aprimorados ouvem falar de si mesmos com serenidade. Achincalhamo-nos mas logo em seguida postamos no face (face à face) o retrato de nossa fantasia. Nosso amor é estranho ao mundo. Quem entenderia milhões de pessoas lotando as festas carnavalescas com tudo o que vem acontecendo no país senão aquele que já aprendeu que o que importa é a alegria.
     Isso pode chocar ao mundo, e mesmo a alguns de nós, mas nós são desbaratados quando a lógica tradicional é substituída pela lógica do amor. Sabemos o que está acontecendo, por isso os bonecos de Olinda saudaram Sérgio Moro. 
     Só não temos propensão ao ódio. Porque odiamos apenas o que desconhecemos.
     Nós mesmos estamos chocados como ovos em vias de gerar um lindo ser, com corpo e tudo.
    Governantes.Cuidado! O amor também é loucura. Não sabemos o que podemos fazer de uma hora para outra.
     Alertem aos glóbulos brancos da nação. Não. Não é por causa do mosquito que transmite doenças não. 
     Governantes: expilam-se do corpo do Brasil. Vocês nos fazem mal.