quarta-feira, 8 de abril de 2015

Alquimia Estatal: os alquimistas estão chegando.

   Conforme alentam os teóricos metafísicos e estudiosos das coisas transcendentais, existe uma matéria prima que compõe e integra a realidade existencial de toda a criação. Pela ação do espírito sobre essa matéria, observadas as regras e leis imperantes no sistema de causa e efeito, a partir das fontes de energia, produziram-se as potencialidades existenciais e, a partir destas, todas as coisas visíveis e invisíveis que existem no cosmos, num processo de interação harmônico e cadenciado. Identificaram esses alquimistas  uma substância primeva (matéria prima ou negra) integrada  a todos os elementos e aos sistemas que os integram no processo de formação de todas as coisas.
     Nesse sentido, grosso modo, é perfeitamente concebível identificar na peculiaridade dos reinos (mineral, vegetal, animal e, quem sabe, humano) elementos causativos de fonte similar. Ao olhar para o sol, para um leão e para o ouro, há entre o astro maior do sistema solar qualidades que o identificam com o leão, que nada mais é do que um animal com cara de sol, cujas jubas resplandecem como o ouro polido. O sol é o astro que é rei de um sistema, enquanto o leão é reputado o rei dos animais, tanto quanto o ouro é reputado o soberano entre os metais. O que há de comum entre eles, dizem os alquimistas, é um elo que parte de uma fonte comum.
      Nós, simples mortais, podemos intuir, nesse sistema de relações, certo nexo de pertinência.
     Mas o que isso tem haver com a matéria que hoje elaboramos? Simples. Desenvolve-se a reflexão acerca da alteração das essencialidades capazes de transformar o Estado no governo que o conduz. Atos de Estado em atos de governo. Com um pouco de conhecimento e paciência, pode-se chegar a um grau de maestria mais significativa, a ponto de transformar o governo em desgoverno, o desgoverno em Estado, fechando-se, assim, o ciclo mágico das realizações possíveis ao mago do poder.
     Sendo certo que o Estado está configurado na estrutura determinada pela Constituição Federal, verdadeiro esqueleto existencial dessa abstração criada pelo homem no intuito de sistematizar condutas em busca do bem comum, não menos certo é que esse Estado é administrado a partir dos valores que alicerçam os partidos políticos, que no nosso regime, podem ser vários, não necessariamente variados.
     Padrões culturais de percepção que é do melhor para todos, sejam fulcrados substancialmente em critérios políticos, econômicos, religiosos, sociais ou culturais, fazem-se representar no interior dos partidos políticos, com mais ou menos predominância desse ou daquele fator de, digamos,acreditabilidade.
     Partidos socialistas buscam implementar o socialismo, partidos comunistas, o comunismo, partidos democráticos, a democracia, partidos liberais, a liberdade. Ao assumir pelo sufrágio universal o poder (jamais o Estado), é natural que no regime democrático se façam notar alterações de programas e das concepções acerca do que é bom ou do que é bem.
     A democracia é, por natureza, o regime da alternância, da transformação, da dinâmica social, com todas as mazelas naturais vertidas no comportamento de quem assumiu que viver livremente é poder mudar, modificar, inalterar (no sentido de permanecer inerte ou com o que é ou está), etc..
     Temos então, de um lado, os homens e sua opção pela criação do Estado, ficção jurídica de que aqueles se socorreram no intuito de auto-organização do povo, elemento primordial do Estado. De outro lado, os entes políticos que o compõe, ou seja, a União, os Estados e os Municípios, além do Distrito Federal e dos territórios (nada impedindo que ressurjam). Todo  poder é assumido por quem se eleger e quem se elege pertence a um partido, necessariamente.
     Separar o Estado do governo que o conduz é tarefa para alquimistas preparados. Demanda tempo, estudo, conhecimento e sensibilidade quanto à aplicação das regras de separação e aglutinação de seus elementos constitutivos.
     No Brasil, esse processo está sendo pervertido. Permitiu-se a condução ao poder de quem possui silenciosa e oculta intenção de desintegrar o Estado. De quem não está muito a fim de mobilizar os conceitos das forças postas em jogo, de acordo com as regras universalmente aceitas. Chamemos, por medida de didática, aos magos negros da destruição do Estado, de diabulus. 
     Os diabulusão seres a cuja alma não se adere a inteligência cósmica, íncitas aos seres humanos, muito menos o intuito de construir. Sua missão é destruir tudo aquilo que possa estar erigido sob os auspícios da sabedoria, da ordem, do altruísmo, do desejo pelo bem, sobretudo o comum.
     Desconstrução do que progride é o seu nome. Dividem quando deviam juntar e juntam quando deviam dividir. São avessos ao progresso da humanidade e estão infiltrados nos organismos sociais como cancros indestrutíveis, pervertendo toda a lógica de qualquer construção. O que para os homens se denomina inteligência, para os diabulus é absorvido como esperteza e divulgado como expertise, o que para aqueles é razoável é taxado por estes como sandice , o que para aqueles conduz à riqueza e ao progresso, para estes é traduzido como inconsistência de um mundo chovinista. Onde se lê liberdade, livre iniciativa e individualidade (aceitar diferenças e assumir divergências existenciais), lê-se, na cartilha dos diabulus, afrontoso comportamento contra a percepção de massa e a massificação, aquela efeito, esta, uma das causas.
     Bem comumpara os homens de bem, é aquilo que resulta dos comportamentos e valores individuais de todos e, por corolário, a busca por soluções equilibradas entre distintas percepções pessoais. Para os diabulus, o que eles determinam é o que todos devem absorver, desde que gire no entorno de sua própria concepção existencial. Sejam iguais e, preferencialmente, iguais a mim. Eis a sua palavra de ordem, ou melhor, a ordem que emana de seu não espírito.
     E o que isso tem a ver com a relação entre o Estado e o governo? Quase tudo!
     O Brasil vive um processo de desconstrução de suas bases existenciais e de seus valores essenciais.
     Nos dias de hoje, para facilitar ao leitor a visualização do que se pretende externado nesse texto, basta imaginar que o sistema legal de apuração de delitos contra o patrimônio público está sendo substituído gradativamente por um sistema de normas administrativas geradas de supetão, ao sabor da revelia dos ditames constitucionais e legais. Onde a Constituição preconiza crime de responsabilidade, devendo o Estado apurar, o governo diabólico trata de desconfigurar as ocorrências fáticas sob investigação, por meio de resoluções administrativas. Recentemente o Tribunal de Contas da União criou um procedimento, por meio de resolução, que ficou conhecido por acordo de leniência. Leniência, em sua acepção gramatical, significa lentidão. No contexto, lentidão para tomar medidas punitivas. Pode significar paciência contra os chamados mal feitos (expressão harrypotteriana para sacanagem criminosa).
     Haverá acordos de leniência se optarmos por não recolher tributos aos cofres públicos por entender que a doação inoficiosa e indireta a bandidos não tem respaldo legal? E se por entendermos que não há mais governo nem Estado para ser mantido com os recursos de nossa parca e suada renda? Lembrai que vosso suor é químico, mas se o sal for insípido, como se há de salgar?
     Após todo o trabalho realizado com muita parcimônia e correção pelo magistrado Sergio Moro e pelos Procuradores da República (e agentes públicos envolvidos), os réus poderão arguir que o fato deixou de ser delituoso pelo perdão administrativo celebrado por meio de uma resolução administrativa? Junte dez gramas de resolução normativa... início da receita diabólica para transformar ouro em chumbo.
     Esse acordo de leniência contará ou não com a participação do Ministério Público Federal vinculado ao Tribunal de Contas da União? Certamente que sim. É obrigatória a sua intervenção enquanto fiscal da lei. Mas se a resposta é positiva e o órgão do Ministério Público Federal é uno, em que pese estar dividido funcionalmente para o cumprimento de seu mister, que efeito seria produzido com a sua participação nos acordos de leniência, ainda que por agentes diferentes no cumprimento de misteres distintos? Recordemos que ele é o legitimado para propor ações penais. A participação do Ministério Público no ato que celebra o leniente acordo implicaria na sua eventual responsabilidade em relação à ação penal de que ele próprio é o autor?
     Os diabulus sabem que o mundo dos fatos se movimenta numa dinâmica cuja velocidade é superior àquela ocorrente nos trâmites extenuantes da apuração judicial dos delitos e sabem que podem corromper, ou ao menos dificultar, a produção de efeitos judiciais com a geração de normas administrativas que intervém ou podem intervir na estrutura fática que dá suporte aos processos judiciais. O governo banaliza o Estado, não raras vezes, com sua omissiva conivência.
     Uma portaria pode impor, por exemplo, critérios para a inclusão de empresas em listas governamentais ou cadastros negativos de empresas relacionadas com infrações administrativas de várias espécies (trabalhistas, tributárias, consumeristas, ambientais, etc.). Atos, em tese, de governo. E...? Daí? Amalgamamos alquimicamente. Empresas processadas na chamada operação lava jato já possuem dificuldade em honrar compromissos. O governo pode alterar os critérios de inserção nos cadastros que cria, por exemplo,a lista de empresas devedoras de obrigações trabalhistas. Um simples "salvo se assinado um termo de ajustamento de conduta" ou um "salvo se participar de acordo de leniência nos termos das normas administrativas em vigor" pode resolver todo o problema das empresas que, em delação premiada (processual), já confessaram o seu - balança-se a varinha do Harry Porter -mal feito. Feito.
    Transformar ouro em chumbo é simples. Basta desordenar conceitos e dar nomes  ao que não é, pelo que é. Sim é não, a menos que não esteja previsto na portaria governamental que regula isso, seja lá o que isso for. A bruxaria dos diabulus  prescinde de técnica ou método. É só querer. Nem depende de lua cheia.
     Uma resolução cria o procedimento para a configuração de acordos de leniência. Todos balançam a sua varinha. Mal feito, feito! Expressão mágica poderosa. A norma administrativa chama o delito de outra coisa e essa outra coisa é rotulada, no plano administrativo, com uma palavra que traz ao público externo a ideia de perdão. Mal feito, feito!  A leniência se torna um procedimento legal, compreendida a expressão "legal" na forma que a Resolução administrativa definir.
     Seu ato ilícito, se você confessar para o governo e devolver o que roubou, será objeto de um acordo e nada mais. Seremos lenientes, mas o tempo dirá o que quisemos dizer com isso. O Estado e sua persecução criminal? A ação penal? Estamos, diz o governo, preparando uma Portaria para regular a ação penal, que passará a se chamar "batata doce". Não mais se poderá perseguir quem for beneficiado com a leniência governamental por intermédio de batatas doces. Por meio de Portarias podem-se alterar regras processuais. Quem milita na justiça do trabalho sabe bem o que quero dizer. Por meios de normas administrativas, vão inviabilizando a funcionalidade dos atos de Estado, que continuará existindo, mas com outro nome, se é que não será enquadrado como outra coisa.se o governo entender que deve promover essa alteração.se quiser.
     O Estado brasileiro está desaparecendo alquimicamente. De instituição aurífera, instrumento primordial para o processo de forjamento da pedra filosofal, vem se transformando em Plumbum químico e repleto de impurezas. O governo, fruto fortuito do regime de alternância de poder e de valores da sociedade,  ao invés de se prestar como agente transmutador de impurezas, transformou-se na escória espúria que degrada possibilidades. Vem transformando, num processo reverso odioso, o ouro refinado da evolução dos povos, em chumbo da pior qualidade. Plumbum.
     Solução (alquímica ou não): chamem os alquimistas. Berrem pela sua presença. Exijam sua participação.
     Oh, povo do meu Brasil, teu espírito é teu mestre interior! Submete-o ao teu Deus! Solve teu medo, coagula tua indeterminação!
     Solve e coagula, Brasil. Da putrefação à regeneração. Lança tuas escórias ao chão.
     A obra em vermelho-brasil. Da brasa ao fogo, do fogo à luz.
     A matéria-prima do teu Estado: teu povo.
     Salve o Brasil!!!