quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

UMA "CONSTITUIÇÃO" ENTRE ASPAS OU UMA "INTERPRETAÇÃO" DESAUTORIZADA?: O DILEMA DA ANTÍTESE CONTRA A TESE; OU AINDA: EMENDA JUDICIAL DA CONSTITUIÇÃO.

"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória".    
     Esta é a disposição literal contida no inciso LVII do artigo quinto da Constituição Federal. Recentemente o órgão de cúpula do Poder Judiciário - STF - admitiu o cumprimento da sentença penal condenatória antes mesmo do trânsito em julgado da sentença condenatória. O entendimento esposado foi o de que, havendo a confirmação da sentença por um órgão de segundo grau (tribunais), a presunção de inocência se deteriora, uma vez que os julgamentos nos tribunais são realizados por órgãos colegiados e em caráter de revisão. Apoiou-se, ainda em comparações com o que ocorre em outros países, mas não chamaremos de direito comparado, uma vez que a estrutura política dos países que também adotam o Estado   Democrático de Direito como referência e modelo paradigmático é distinta da do Brasil. Seria comparar a mesma coisa em ambientes distintos.
     A Genetriz Estatal tem a obrigação de comentar sobre a referida decisão para refletir sobre os seus efeitos na sociedade brasileira. Não sendo um espaço exclusivamente jurídico, o juridiquês é de plano abolido, bem como complicações argumentativas pseudo-complexas que enfeitiçam o leigo buscando apartá-lo do debate franco e direto e  que geralmente não chega a lugar nenhum.
    Para começar, vamos colocar o leitor a par do contexto onde está inserida esta cláusula constitucional conhecida por presunção de inocência. Ela está inserida em um Capítulo da Constitucional que regula os direitos e garantias individuais e coletivas. Vamos explicitar melhor o que isso significa. 
     A Constituição tem por finalidade organizar a estrutura do Estado, definindo sistemas e regimes de governo, poderes, competências, etc.. O legislador constituinte, aquele que foi eleito especificamente para discutir, votar e sancionar um novo modelo de Estado, após o regime militar, estabelecendo com isso uma nova ordem (política, de valores, etc.), fixou regras de limitação ao poder do Estado. Esse tipo de regra busca evitar que a loucura dos homens que assumem o poder não seja tentada a elaborar leis que possam se constituir em abusos contra a sociedade (a que permitiu e consentiu com essa nova ordem).
     Fica fácil entender quando notamos alguns casos em que chefes de Estado/governo eleitos pelo povo para um determinado período de tempo,  cobiçosos do que pensam que são no exercício desse poder, convencem à massa de populares a alterar a Constituição para, por exemplo,  permitir que possam ficar por mais tempo no poder, ou, quando a alteram para atribuir a si próprios o poder para indicar, em caráter exclusivo, os membros do Poder Judiciário que julgarão os seus atos/leis ou mesmo para, rompendo com a autonomia dos poderes, atribuem-se poderes legislativos, alterando unilateralmente as definições acerca da tipologia dos crimes, ainda que de forma indireta ou sub-reptícia (depois que o pratico, reformo as regras para me excluir da sua abrangência).                  
     Alteram a estrutura das constituições para poder fazer o que bem entenderem, de forma que o Estado que governam passam a ser outra coisa, a outra coisa que desejaram que fosse. Isso ocorreu na Venezuela, na Bolívia (vide a alardeada consulta popular recente para permitir a - de novo - reeleição de Evo Morales). A Bolívia mudou a sua denominação de República da Bolívia para Estado Plurinacional da Bolívia (seja lá o que isso venha a significar) em 2009, o que demonstra, de alguma forma, a bananada com açúcar que pode resultar quando não se limita poderes e, por força dessa ilimitação, o povo é alimentado com  a arcaica política das bandeiras ideológicas ou com acepção de raças. Mas bananada é bom e com açúcar fica melhor ainda. Batem os tambores caudilhos...Escutaram?
     Mas o que importa para esta matéria é recordar que a norma que institui a presunção de inocência tem a natureza de limitação de poder. É tão importante compreender esse conceito que vamos repisar o tema até que ele ganhe a forma de nossos pés. Normas que limitam poder servem, basicamente, para evitar que ditadores, loucos, ladrões, psicopatas, sucateiem os valores e princípios consagrados, por isso mesmo, na Constituição Federal, como resultado do pacto federativo e social que determinou a sua existência enquanto instrumento consolidador do Estado. São, também,  normas de garantia (de limitação de poder) o direito a liberdade, igualdade, segurança jurídica, propriedade, livre manifestação do pensamento, legalidade, etc. Espero que a importância das normas de limitação de poder comecem a ganhar forma na cabeça do leitor. Vamos adiante.
     Tais direitos e garantias individuais são tão importantes, mas tão importante, que o legislador constituinte (aquele eleito para criar uma nova ordem através de uma nova constituição) apontou no Texto Constitucional a proibição de alterá-los através de Emenda Constitucional (as chamadas cláusulas pétreas): imutáveis e inalteráveis ad infinitum, a menos que uma revolução desestabilize a ordem constitucional.
     Ora, se o legislador constituinte,proibiu que se alterasse, inclusive por Emenda à Constituição, tais direitos e garantias, com que autoridade o Supremo Tribunal , ao julgar a sua constitucionalidade, emprestou uma interpretação totalmente desautorizada do texto que institui a chamada presunção de inocência?            
     Iniciamos o texto entre aspas porque a presunção de inocência, outrora respeitada (pelo próprio STF) em seu comando normativo expresso - ninguém será considerado culpado + após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória -  qual seja, após a decisão contra a qual não caiba mais nenhum recurso, por entendermos que a literalidade da disposição não encontra espaço para sadismos no processo de sua compreensão.
     Sabemos que ao escrever a palavra recurso, provocamos na memória coletiva do país o ranço que se tem quanto à quantidade de recursos interpostos por advogados pilantras, tantos que parecem não ter fim, como se diz por aí aos borbotões. Compartilhamos do ranço quanto à quantidade de recursos que parecem não ter fim mas não compactuamos com qualquer ou a menor possibilidade de um órgão judiciário  de cúpula, interpretar uma norma constitucional  pervertendo sua expressa e literal disposição (porque o conceito de trânsito em julgado é técnico-jurídico) para atender questões circunstanciais no conflito político (e pessoalizado) que se abateu no país. É um órgão de cúpula, não de cópula, salvo a deodôntica (guaraná em pó é guaraná em pó e não pode ser interpretado como sabão em pó, por melhor que sejam as intenções de limpar o que está sujo) e nos termos constitucionais
     O legislador constituinte  condicionou a constatação da culpabilidade à ocorrência de um evento certo e futuro, qual seja, a ocorrência do trânsito em julgado,  fazendo-o de forma expressa e literal,. Como se trata de normas de limitação do poder do Estado, nada mais fez o constituinte (o que originalmente criou o texto constitucional) do que informar ao legislativo - porque as regras de limitação são destinadas ao Poder Legislativo - para que direta ou indiretamente não se utilize do processo de elaboração de leis para limitar essa garantia constitucional - e, não o podendo inová-la o próprio legislativo, órgão regulador de condutas, jamais poderia violá-la o próprio órgão responsável pela guarda e controle de constitucionalidade, responsável por dar dicção ao direito constitucional.
     O correto, pensamos, seria promover uma reforma legislativa para inovar o sistema de recursos,  no contexto processual, transformando-o em algo mais efetivo, racional e eficiente (sempre nos termos da Constituição). Quando o poder judiciário, através de seu órgão de cúpula,  cuja competência é estabelecida pela mesma constituição que irá interpretar,  observa-se, ele próprio, a descumpri-la,  suprimindo parte de sua disposição ("após o trânsito em julgado...") para, de forma falaciosa, alterá-la às avessas, a pretexto de interpretá-la,  o sinal vermelho deve ser acendido em caráter de urgência. Ele está assumindo a função constitucional que é atribuída pela Constituição ao poder legislativo, num contexto onde mesmo este está proibido de inovar..
     Querem colocar para debaixo do tapete o real problema: total falta de estrutura do poder judiciário e sistema processual teratológico (monstruosamente ineficiente, arcaico e ilógico). Ambos podem ser alterados/aprimorados sem qualquer eivo de inconstitucionalidade. Reflita cidadão: porque o próprio órgão do poder judiciário competente para salvaguardar a Constituição interpreta abobadamente uma norma constitucional se uma reforma legislativa e processual e uma reformulação da estrutura judiciária não afrontariam (tese) qualquer dispositivo constitucional? Pensem. Mas pensem também na briga de foice (forma de dizer né) que divide interesses entre os órgãos de cúpula do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário. Fazer uso político de um (ou mais) órgão de cúpula para tutelar interesses pessoais ou de grupos de poder afins é, por si só, patente afronta à Constituição Federal.
      O interessante (se a Constituição foi elaborada com razoável unidade lógica entre seus dispositivos) é refletir sobre o que ocorre quando o órgão responsável por zelar pela Constituição deixasse de cumprir este mister, ou, o que é pior, agisse de forma, digamos, antifuncional, inobservando-a por motivos fúteis, mesquinhos ou criminosos. Estaria prevaricando? Estaria infringindo deveres de responsabilidade , em alguns casos reputados crimes (afronta à direitos e garantias individuais, - art. 7º, item 9 da lei 1.079/50)? Ou, o que nos parece mais ilógico, perigosamente ilógico: poderia o STF mudar o texto expresso de norma constitucional que se evidencia como cláusula pétrea, suprimindo de seu conteúdo a parte mais importante dela?
     Veja-se: não estamos diante de uma abstração, como, por exemplo, ocorreria  se o supremo fosse aplicar a norma constitucional que alude à dignidade da pessoa humana, pois o nível de abstração dela é alto e seria necessário conhecer o caso concreto para aplicar o conceito de dignidade da pessoa humana, elástico na acepção que faz sugerir e significar. Estamos, sim, diante de uma norma que é expressa ao exigir o esgotamento dos recursos no prazo legal até o trânsito em julgado da decisão.
      Não se lê na norma que institui a garantia da presunção de inocência que uma pessoa só pode ser considerada culpada após o exame de sua consciência (o que seria abstrato), mas se lê que ninguém pode ser reputado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Antes disso, o crime não foi configurado, pois a culpabilidade, esta que somente se estabilizará no processo após o trânsito em julgado, é elemento da estrutura do crime. Sem culpa formada, não há crime.
     A reflexão que se  traz no dia de hoje diz respeito à inobservância de comando constitucional expresso. Hoje é a afronta da presunção de inocência, amanhã (e que foi ontem) o direito do fisco de obter informações sigilosas de natureza bancária ou fiscal sem mandado judicial. Se a coisa evoluir, o sofismo no processo de interpretação das normas constitucionais podem concluir, por exemplo, que a liberdade é relativa e depende dos interesses do Estado (leia-se: dementes por poder ocupando cargos públicos) , ou que a segurança jurídica, por prescindir da existência do Estado, deve dispor de sua natureza de limitação de poder,  já que é ele - o Estado -  quem tem o poder de dizer o direito; ou interpretar que a propriedade deve cumprir a sua função social, entendendo-se por função social tudo aquilo que o Estado, por seus órgãos, entender que seja. Não é o afã pela prisão de criminosos (sobretudo os de colarinho branco) num tempo menor (o que é razoável exigir pela via constitucional correta) que está em jogo, mas a quebra da estrutura do único instrumento jurídico capaz de limitar o poder do Estado, qual seja a Constituição.
     Se isso não for imediatamente questionado, inclusive pelo Senado, que é quem detém a prerrogativa para julgar os Ministros do Supremo Federal (dados pela Constituição) nos casos de irresponsabilidade política, todas os direitos e garantias instituídas pelo legislador constituinte sofrerão uma mutação gradativa e silenciosa de natureza axiológica e exegética, alquimia que não produzirá o ouro do chumbo, mas o chumbo do ouro, pela degradação de suas qualidades intrínsecas. É função intrínseca do STF interpretar a Constituição Federal e guardá-la em sua unidade. Se ele a vilipendia frontalmente, então, algo de muito estranho vem sendo gestado no útero de nossa democracia.
      Cometemos o impropério de começar nosso texto com aspas. Desculpe-nos. Foi preciso iniciar ressaltando o texto para depois identificar o contexto de sua inobservância.. Enquanto eles saltarem sobre a Constituição, nós ressaltaremos nossa dúvida.  A melhor fundamentação de uma decisão tomada por um desgoverno é omiti-la. A decisão ou a fundamentação? - indaga o povo, já que o texto não é claro -  (o que foi omitido afinal?): amanhã eu lhe digo. Eu quem? - insiste o povo. O Estado, que sou eu mesmo, respondem eles. Arrematam em tom amigável: afinal, eu sou vocês.
      Por questão de estética, encerraremos nossa reflexão com aspas:

"A Constituição Federal está entre aspas". "Sua liberdade também". "Liberdade" entre "aspas". Aspas, elas próprias, entre "aspas".

Obrigado pela "atenção".

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

ORDEM E PROGRESSO: O AMOR E SEUS PILARES.

     O Brasil traz estampado em sua bandeira a expressão de cunho positivista: Ordem e Progresso. Muitas críticas tem sido empreendidas quanto à inserção dessa mensagem no pavilhão que representa à nação brasileira. Ora por contrariedade à corrente positivista, ora por posicionamentos de cunho estético, ora, ainda, pela incongruência da mensagem em relação à natureza do povo brasileiro, a quem se reputa pechas das mais variadas, todas, pejorativamente agasalhadas com as vestes escuras do que há de mais negativo no que tange às características de sua alma coletiva. O brasileiro é.....(burro, preguiçoso, vagabundo, desonesto, corrupto, pobre, mesquinho, ignorante, burro, desinformado, vendido, covarde, etc). Se você ao menos uma vez na sua vida não se utilizou de um desses predicados para referenciar o sujeito, objeto direto e indireto de nossa matéria, certamente você não é brasileiro.
     A mensagem positivista é sintetizada pelos primados do amor por princípio, da ordem por base e o progresso por meta ou fim rebuscado. O amor não foi inserido na inscrição do lábaro pátrio. Ter-se-ia reputado inexistente no solo brasileiro? Foi excluído por se tratar de um conceito inatingível pela raça brasileira? Não. O amor está entre a ordem e o progresso, como o coração está entre o braço esquerdo e o braço direito no corpo humano. As costelas fazem a ligação. O coração, órgão representativo do amor, pulsa entre direita e esquerda circulando no fluxo existencial de cada célula do corpo nacional.
     A grande questão que se pretende levantar é saber se é possível haver ordem sem amor. Ao olhar para a nossa própria vida, notamos que a desordem faz apontar, num processo de aferição pessoal (consciência) altíssimo nível de desordem em nossa vida pessoal. Pessoas são unidades individuais que estão inseridas em algo maior, como as células de um corpo. Ao se afirmar sobre a existência de um corpo, pode-se inferir, por inevitável, pela união de milhões de células organizadas. Em que pese, ao olharmos no espelho, afirmarmos estarmos diante da imagem de nosso corpo (invertida lateralmente), estamos diante, na verdade, de milhões de células unificadas por uma ideia de totalidade.
     Nesse corpo, assim reunido por nexo de totalidade, cada ser reputa-se um, único e exclusivo. Quem em sã consciência diria a um conhecido: Nós, essas milhões de células iremos fazer isso ou aquilo? Quem, em estado de saúde (física, mental e psíquica), antes de tomar uma decisão, sentaria calmamente em processo de reflexão, para reunir a vontade de cada uma das nossas células? Células do intestino, algum comentário? Células do estômago, posso digerir isso? Células do pulmão, posso percorrer meu caminho um pouco mais rápido do que de costume? Célula do coração, é realmente isso o que você deseja? Células do cérebro, o que o coração deseja pode ser executado? Glóbulos vermelhos, vão para Cuba. Glóbulos brancos, amai vosso inimigos. 
     Poderíamos permanecer impossibilitados de nos movimentar se as células nervosas e o sistema nervoso resolvessem por si mesmos tirar um cochilo. Se cada célula do corpo pudesse manifestar-se sem levar em consideração o sistema em que está inserida (e de que depende) estaríamos num manicômio, ou, o que é pior, degradados até a condição de bactérias ou vírus ou servir-lhes de alimento.
    Há na natureza humana um nexo de integridade que reúne todas as células, em que pese a sua multifacetada distinção ontológica, num único corpo, sob a égide de uma certa ordem. Elas se doam em nome de sua própria sobrevivência e para dar existência a algo maior, mais complexo, com maiores possibilidades. 
     Se levarmos em conta essa estrutura e nos lembrarmos que somos milhões de outras individualidades, como enquadraríamos as estruturas sociais compostas por cada ser humano e suas milhões de individualidades celulares? O que é de fato uma sociedade organizada? Ora (oremos pois): uma estrutura pautada na ordem, entendida em sua acepção como individualidades que sabem o que são e o que devem fazer para manter esse brutamontes corpo coletivo: a nação. 
     É correto, pois, afirmarmos que somos reis de nosso corpo e que procuramos compreender as necessidades de suas partes para poder viver harmoniosamente. Um corpo sadio, portanto, em ordem, permite a nossa alma existir reinando nesse espaço vital nominado o "si mesmo". Basta quebrar uma unha ou sentir uma dor de dente para entender que o corpo é mesmo uma unidade. 
     Vamos dar nexo de continência ao texto. Comecemos pelos amor, primeira unidade da trilogia positivista. O conceito é explicável por milhões de fórmulas e conceitos, como o amor de uma célula pelo contexto de seu corpo. Não nos percamos no amor, pois ele carece de explicações. Nem as pede.
     O amor é a força invisível que ata diversidades e diferenças. O amor faz com que cada parte continue sendo a parte que lhe toca, e, mesmo assim, participa de algo ainda maior. A grande questão que nos toca no momento, uma vez que estamos falando da nação brasileira, é, no contexto da mensagem positivista gravada no pavilhão de nossas aspirações enquanto nação, é saber se pode haver ordem sem amor. Pensamos que não. O amor é a ordem em si mesma.
     Antes de detalharmos teses sobre a construção de um Brasil iluminado, é preciso indagar, com toda a sinceridade, o que sentimos por ele. Não se dispõe em ordem aquilo que se detesta (nem quando se detesta a si mesmo). Pelo contrário, deseja-se destruir o que é odiado. Mais do que isso: odeia-se apenas o que não se conhece. O filho de toda a ignorância é o medo. Libertemo-nos de nossa ignorância acerca de nós próprios e não temamos nossa própria grandeza.
     Quantos de nós não sentimos, em algum momento da existência, medo de ser o que somos? E quantos de nós podem se gabar de se autoconhecer? Não se tem força para colocar sob ordem aquilo que não amamos. Combinamos nossas roupas, organizamos nossa coleção de selos, selecionamos nossos livros, frequentamos nossos amigos organizando momento de encontro, tudo, porque amamos tudo isso. Você ama o Brasil?
     Hoje em dia, o conceito de ordem está vinculado ao conceito de imposição. Ordem, nessa acepção, é dar as coisas externas o mesmo sentido das internas. Por isso, ao opinarmos sobre o Brasil, desejamos que ele siga o caminho que nos pertine, olvidando que, agindo assim, estamos na mesma posição de uma célula querendo transformar todo o corpo numa réplica de si mesma. Fazendo isso, destruímos o que nos parece diferente, forçando todas as outras partes do corpo a replicarem o nosso modelo existencial. A mesma coisa faz uma célula cancerígena. Ordem é outra coisa. Ordem é, de certa forma, compreender que não posso deixar de ser uma célula, mas estou alojado no contexto de outros órgãos, como o fígado, o intestino, os pulmões, o coração, o cérebro, etc. Mais: Cada órgão está alocado dentro de um sistema (circulatório, reprodutor, etc.). Em síntese: não há ordem no espaço de interação onde habita várias possibilidades se não houver amor. Só ordenamos o que compreendemos e só compreendemos o que conhecemos. Você conhece o Brasil? (não perguntamos se você já viajou pelo Brasil, o que é outra coisa)
     O progresso é contingência do amor em ordem. É um consectário lógico que, ao ordenar sistematicamente as partes de um todo, um efeito daí advém, no sentido do progresso. Constatada a necessidade de reordená-lo (o sistema) em função de inovações externas ou por imperativo de aprimoramento e contextualização, as partes acusam inconsistências, refletindo ao todo a necessidade de mudança, para manutenção da ordem. Isso é fruto da experiência refletida, maturada e aprovada pelas partes, constatada pelas ciências e reorganizadas no amor. Sistema e ordem, alguém salientou um dia.
     Não significa amar ao Brasil, colocar células intestinais no espaço dedicado às células cerebrais. Ao invés de sinapses, o que adviria se essa alteração fosse intentada? Não podemos estar em outro local senão aquele que nos cabe pelas propriedades e talentos pessoais. Imaginemos um doutor em reprodução de grãos e genética especializada. Após anos de estudo, sua percepção do que é o fenômeno da reprodução dá-lhe uma representação acerca de plantar um grão de milho distinta da do agricultor. Mas este, sabe melhor o peso de uma saca que carrega nas costas, a melhor lua para se plantar, do cheiro da terra e o que representa em cada estação do ano. Se cada um ocupar o seu espaço fazendo uso de seu talento, certamente a sabedoria de um irá fomentar a percepção do outro, sem que se saiba bem definir qual, dentre ambos, é verdadeiramente o sábio. A sabedoria será compartilhada com tanta harmonia, que o agricultor plantará melhores grãos e o doutor compreenderá melhor o objeto de sua análise e estudo. A sabedoria não escolhe contingências pessoais, mas é como o ar, disposta a cada uma das partes que respira experiência afins.
     Que o amor pelo Brasil se instale no coração dos brasileiros. Aprenderemos algo sobre a ordem que nos cabe, quando soubermo-nos parte e reverenciarmos o todo. O progresso advirá, há de vir.
     Quando não fizermos questão de ocupar a parte que não nos cabe, seremos mestres na parte que nos toca. As células do intestino voltaram ao seu lugar, as do cérebro revolverão possibilidades e, com o corpo sadio, compreenderemos que temos uma alma. Quem sabe até um espírito (ainda que tenhamos que criá-lo à nossa imagem e para a nossa semelhança).
      O poeta estava certo. Amar é um verbo. O intransitivo da ordem, manifestando direta ou indiretamente o progresso, esse transitivo almejado pelo resultado que proporciona ao todo.
     Cumpre lembrar que o amor é circular e cíclico. Do amor ao amor maior ainda, pelo amor de Deus.
     Amor, ordem e progresso. Ver onde chegamos e amar ainda mais. Ouroboros mítica da força de toda uma nação.
     Quanto aos impropérios com os quais no rotulamos, é claro que é da boca para fora. Somente seres pacificados e aprimorados ouvem falar de si mesmos com serenidade. Achincalhamo-nos mas logo em seguida postamos no face (face à face) o retrato de nossa fantasia. Nosso amor é estranho ao mundo. Quem entenderia milhões de pessoas lotando as festas carnavalescas com tudo o que vem acontecendo no país senão aquele que já aprendeu que o que importa é a alegria.
     Isso pode chocar ao mundo, e mesmo a alguns de nós, mas nós são desbaratados quando a lógica tradicional é substituída pela lógica do amor. Sabemos o que está acontecendo, por isso os bonecos de Olinda saudaram Sérgio Moro. 
     Só não temos propensão ao ódio. Porque odiamos apenas o que desconhecemos.
     Nós mesmos estamos chocados como ovos em vias de gerar um lindo ser, com corpo e tudo.
    Governantes.Cuidado! O amor também é loucura. Não sabemos o que podemos fazer de uma hora para outra.
     Alertem aos glóbulos brancos da nação. Não. Não é por causa do mosquito que transmite doenças não. 
     Governantes: expilam-se do corpo do Brasil. Vocês nos fazem mal.