"Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado da sentença penal condenatória".
Esta é a disposição literal contida no inciso LVII do artigo quinto da Constituição Federal. Recentemente o órgão de cúpula do Poder Judiciário - STF - admitiu o cumprimento da sentença penal condenatória antes mesmo do trânsito em julgado da sentença condenatória. O entendimento esposado foi o de que, havendo a confirmação da sentença por um órgão de segundo grau (tribunais), a presunção de inocência se deteriora, uma vez que os julgamentos nos tribunais são realizados por órgãos colegiados e em caráter de revisão. Apoiou-se, ainda em comparações com o que ocorre em outros países, mas não chamaremos de direito comparado, uma vez que a estrutura política dos países que também adotam o Estado Democrático de Direito como referência e modelo paradigmático é distinta da do Brasil. Seria comparar a mesma coisa em ambientes distintos.
Esta é a disposição literal contida no inciso LVII do artigo quinto da Constituição Federal. Recentemente o órgão de cúpula do Poder Judiciário - STF - admitiu o cumprimento da sentença penal condenatória antes mesmo do trânsito em julgado da sentença condenatória. O entendimento esposado foi o de que, havendo a confirmação da sentença por um órgão de segundo grau (tribunais), a presunção de inocência se deteriora, uma vez que os julgamentos nos tribunais são realizados por órgãos colegiados e em caráter de revisão. Apoiou-se, ainda em comparações com o que ocorre em outros países, mas não chamaremos de direito comparado, uma vez que a estrutura política dos países que também adotam o Estado Democrático de Direito como referência e modelo paradigmático é distinta da do Brasil. Seria comparar a mesma coisa em ambientes distintos.
A Genetriz Estatal tem a obrigação de comentar sobre a referida decisão para refletir sobre os seus efeitos na sociedade brasileira. Não sendo um espaço exclusivamente jurídico, o juridiquês é de plano abolido, bem como complicações argumentativas pseudo-complexas que enfeitiçam o leigo buscando apartá-lo do debate franco e direto e que geralmente não chega a lugar nenhum.
Para começar, vamos colocar o leitor a par do contexto onde está inserida esta cláusula constitucional conhecida por presunção de inocência. Ela está inserida em um Capítulo da Constitucional que regula os direitos e garantias individuais e coletivas. Vamos explicitar melhor o que isso significa.
A Constituição tem por finalidade organizar a estrutura do Estado, definindo sistemas e regimes de governo, poderes, competências, etc.. O legislador constituinte, aquele que foi eleito especificamente para discutir, votar e sancionar um novo modelo de Estado, após o regime militar, estabelecendo com isso uma nova ordem (política, de valores, etc.), fixou regras de limitação ao poder do Estado. Esse tipo de regra busca evitar que a loucura dos homens que assumem o poder não seja tentada a elaborar leis que possam se constituir em abusos contra a sociedade (a que permitiu e consentiu com essa nova ordem).
Fica fácil entender quando notamos alguns casos em que chefes de Estado/governo eleitos pelo povo para um determinado período de tempo, cobiçosos do que pensam que são no exercício desse poder, convencem à massa de populares a alterar a Constituição para, por exemplo, permitir que possam ficar por mais tempo no poder, ou, quando a alteram para atribuir a si próprios o poder para indicar, em caráter exclusivo, os membros do Poder Judiciário que julgarão os seus atos/leis ou mesmo para, rompendo com a autonomia dos poderes, atribuem-se poderes legislativos, alterando unilateralmente as definições acerca da tipologia dos crimes, ainda que de forma indireta ou sub-reptícia (depois que o pratico, reformo as regras para me excluir da sua abrangência).
Alteram a estrutura das constituições para poder fazer o que bem entenderem, de forma que o Estado que governam passam a ser outra coisa, a outra coisa que desejaram que fosse. Isso ocorreu na Venezuela, na Bolívia (vide a alardeada consulta popular recente para permitir a - de novo - reeleição de Evo Morales). A Bolívia mudou a sua denominação de República da Bolívia para Estado Plurinacional da Bolívia (seja lá o que isso venha a significar) em 2009, o que demonstra, de alguma forma, a bananada com açúcar que pode resultar quando não se limita poderes e, por força dessa ilimitação, o povo é alimentado com a arcaica política das bandeiras ideológicas ou com acepção de raças. Mas bananada é bom e com açúcar fica melhor ainda. Batem os tambores caudilhos...Escutaram?
Mas o que importa para esta matéria é recordar que a norma que institui a presunção de inocência tem a natureza de limitação de poder. É tão importante compreender esse conceito que vamos repisar o tema até que ele ganhe a forma de nossos pés. Normas que limitam poder servem, basicamente, para evitar que ditadores, loucos, ladrões, psicopatas, sucateiem os valores e princípios consagrados, por isso mesmo, na Constituição Federal, como resultado do pacto federativo e social que determinou a sua existência enquanto instrumento consolidador do Estado. São, também, normas de garantia (de limitação de poder) o direito a liberdade, igualdade, segurança jurídica, propriedade, livre manifestação do pensamento, legalidade, etc. Espero que a importância das normas de limitação de poder comecem a ganhar forma na cabeça do leitor. Vamos adiante.
Tais direitos e garantias individuais são tão importantes, mas tão importante, que o legislador constituinte (aquele eleito para criar uma nova ordem através de uma nova constituição) apontou no Texto Constitucional a proibição de alterá-los através de Emenda Constitucional (as chamadas cláusulas pétreas): imutáveis e inalteráveis ad infinitum, a menos que uma revolução desestabilize a ordem constitucional. .
Ora, se o legislador constituinte,proibiu que se alterasse, inclusive por Emenda à Constituição, tais direitos e garantias, com que autoridade o Supremo Tribunal , ao julgar a sua constitucionalidade, emprestou uma interpretação totalmente desautorizada do texto que institui a chamada presunção de inocência?
Iniciamos o texto entre aspas porque a presunção de inocência, outrora respeitada (pelo próprio STF) em seu comando normativo expresso - ninguém será considerado culpado + após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória - qual seja, após a decisão contra a qual não caiba mais nenhum recurso, por entendermos que a literalidade da disposição não encontra espaço para sadismos no processo de sua compreensão.
Sabemos que ao escrever a palavra recurso, provocamos na memória coletiva do país o ranço que se tem quanto à quantidade de recursos interpostos por advogados pilantras, tantos que parecem não ter fim, como se diz por aí aos borbotões. Compartilhamos do ranço quanto à quantidade de recursos que parecem não ter fim mas não compactuamos com qualquer ou a menor possibilidade de um órgão judiciário de cúpula, interpretar uma norma constitucional pervertendo sua expressa e literal disposição (porque o conceito de trânsito em julgado é técnico-jurídico) para atender questões circunstanciais no conflito político (e pessoalizado) que se abateu no país. É um órgão de cúpula, não de cópula, salvo a deodôntica (guaraná em pó é guaraná em pó e não pode ser interpretado como sabão em pó, por melhor que sejam as intenções de limpar o que está sujo) e nos termos constitucionais
O legislador constituinte condicionou a constatação da culpabilidade à ocorrência de um evento certo e futuro, qual seja, a ocorrência do trânsito em julgado, fazendo-o de forma expressa e literal,. Como se trata de normas de limitação do poder do Estado, nada mais fez o constituinte (o que originalmente criou o texto constitucional) do que informar ao legislativo - porque as regras de limitação são destinadas ao Poder Legislativo - para que direta ou indiretamente não se utilize do processo de elaboração de leis para limitar essa garantia constitucional - e, não o podendo inová-la o próprio legislativo, órgão regulador de condutas, jamais poderia violá-la o próprio órgão responsável pela guarda e controle de constitucionalidade, responsável por dar dicção ao direito constitucional.
O correto, pensamos, seria promover uma reforma legislativa para inovar o sistema de recursos, no contexto processual, transformando-o em algo mais efetivo, racional e eficiente (sempre nos termos da Constituição). Quando o poder judiciário, através de seu órgão de cúpula, cuja competência é estabelecida pela mesma constituição que irá interpretar, observa-se, ele próprio, a descumpri-la, suprimindo parte de sua disposição ("após o trânsito em julgado...") para, de forma falaciosa, alterá-la às avessas, a pretexto de interpretá-la, o sinal vermelho deve ser acendido em caráter de urgência. Ele está assumindo a função constitucional que é atribuída pela Constituição ao poder legislativo, num contexto onde mesmo este está proibido de inovar..
Querem colocar para debaixo do tapete o real problema: total falta de estrutura do poder judiciário e sistema processual teratológico (monstruosamente ineficiente, arcaico e ilógico). Ambos podem ser alterados/aprimorados sem qualquer eivo de inconstitucionalidade. Reflita cidadão: porque o próprio órgão do poder judiciário competente para salvaguardar a Constituição interpreta abobadamente uma norma constitucional se uma reforma legislativa e processual e uma reformulação da estrutura judiciária não afrontariam (tese) qualquer dispositivo constitucional? Pensem. Mas pensem também na briga de foice (forma de dizer né) que divide interesses entre os órgãos de cúpula do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário. Fazer uso político de um (ou mais) órgão de cúpula para tutelar interesses pessoais ou de grupos de poder afins é, por si só, patente afronta à Constituição Federal.
O interessante (se a Constituição foi elaborada com razoável unidade lógica entre seus dispositivos) é refletir sobre o que ocorre quando o órgão responsável por zelar pela Constituição deixasse de cumprir este mister, ou, o que é pior, agisse de forma, digamos, antifuncional, inobservando-a por motivos fúteis, mesquinhos ou criminosos. Estaria prevaricando? Estaria infringindo deveres de responsabilidade , em alguns casos reputados crimes (afronta à direitos e garantias individuais, - art. 7º, item 9 da lei 1.079/50)? Ou, o que nos parece mais ilógico, perigosamente ilógico: poderia o STF mudar o texto expresso de norma constitucional que se evidencia como cláusula pétrea, suprimindo de seu conteúdo a parte mais importante dela?
Veja-se: não estamos diante de uma abstração, como, por exemplo, ocorreria se o supremo fosse aplicar a norma constitucional que alude à dignidade da pessoa humana, pois o nível de abstração dela é alto e seria necessário conhecer o caso concreto para aplicar o conceito de dignidade da pessoa humana, elástico na acepção que faz sugerir e significar. Estamos, sim, diante de uma norma que é expressa ao exigir o esgotamento dos recursos no prazo legal até o trânsito em julgado da decisão.
Não se lê na norma que institui a garantia da presunção de inocência que uma pessoa só pode ser considerada culpada após o exame de sua consciência (o que seria abstrato), mas se lê que ninguém pode ser reputado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Antes disso, o crime não foi configurado, pois a culpabilidade, esta que somente se estabilizará no processo após o trânsito em julgado, é elemento da estrutura do crime. Sem culpa formada, não há crime.
A reflexão que se traz no dia de hoje diz respeito à inobservância de comando constitucional expresso. Hoje é a afronta da presunção de inocência, amanhã (e que foi ontem) o direito do fisco de obter informações sigilosas de natureza bancária ou fiscal sem mandado judicial. Se a coisa evoluir, o sofismo no processo de interpretação das normas constitucionais podem concluir, por exemplo, que a liberdade é relativa e depende dos interesses do Estado (leia-se: dementes por poder ocupando cargos públicos) , ou que a segurança jurídica, por prescindir da existência do Estado, deve dispor de sua natureza de limitação de poder, já que é ele - o Estado - quem tem o poder de dizer o direito; ou interpretar que a propriedade deve cumprir a sua função social, entendendo-se por função social tudo aquilo que o Estado, por seus órgãos, entender que seja. Não é o afã pela prisão de criminosos (sobretudo os de colarinho branco) num tempo menor (o que é razoável exigir pela via constitucional correta) que está em jogo, mas a quebra da estrutura do único instrumento jurídico capaz de limitar o poder do Estado, qual seja a Constituição.
Se isso não for imediatamente questionado, inclusive pelo Senado, que é quem detém a prerrogativa para julgar os Ministros do Supremo Federal (dados pela Constituição) nos casos de irresponsabilidade política, todas os direitos e garantias instituídas pelo legislador constituinte sofrerão uma mutação gradativa e silenciosa de natureza axiológica e exegética, alquimia que não produzirá o ouro do chumbo, mas o chumbo do ouro, pela degradação de suas qualidades intrínsecas. É função intrínseca do STF interpretar a Constituição Federal e guardá-la em sua unidade. Se ele a vilipendia frontalmente, então, algo de muito estranho vem sendo gestado no útero de nossa democracia.
Cometemos o impropério de começar nosso texto com aspas. Desculpe-nos. Foi preciso iniciar ressaltando o texto para depois identificar o contexto de sua inobservância.. Enquanto eles saltarem sobre a Constituição, nós ressaltaremos nossa dúvida. A melhor fundamentação de uma decisão tomada por um desgoverno é omiti-la. A decisão ou a fundamentação? - indaga o povo, já que o texto não é claro - (o que foi omitido afinal?): amanhã eu lhe digo. Eu quem? - insiste o povo. O Estado, que sou eu mesmo, respondem eles. Arrematam em tom amigável: afinal, eu sou vocês.
Por questão de estética, encerraremos nossa reflexão com aspas:
"A Constituição Federal está entre aspas". "Sua liberdade também". "Liberdade" entre "aspas". Aspas, elas próprias, entre "aspas".
Obrigado pela "atenção".
Fica fácil entender quando notamos alguns casos em que chefes de Estado/governo eleitos pelo povo para um determinado período de tempo, cobiçosos do que pensam que são no exercício desse poder, convencem à massa de populares a alterar a Constituição para, por exemplo, permitir que possam ficar por mais tempo no poder, ou, quando a alteram para atribuir a si próprios o poder para indicar, em caráter exclusivo, os membros do Poder Judiciário que julgarão os seus atos/leis ou mesmo para, rompendo com a autonomia dos poderes, atribuem-se poderes legislativos, alterando unilateralmente as definições acerca da tipologia dos crimes, ainda que de forma indireta ou sub-reptícia (depois que o pratico, reformo as regras para me excluir da sua abrangência).
Alteram a estrutura das constituições para poder fazer o que bem entenderem, de forma que o Estado que governam passam a ser outra coisa, a outra coisa que desejaram que fosse. Isso ocorreu na Venezuela, na Bolívia (vide a alardeada consulta popular recente para permitir a - de novo - reeleição de Evo Morales). A Bolívia mudou a sua denominação de República da Bolívia para Estado Plurinacional da Bolívia (seja lá o que isso venha a significar) em 2009, o que demonstra, de alguma forma, a bananada com açúcar que pode resultar quando não se limita poderes e, por força dessa ilimitação, o povo é alimentado com a arcaica política das bandeiras ideológicas ou com acepção de raças. Mas bananada é bom e com açúcar fica melhor ainda. Batem os tambores caudilhos...Escutaram?
Mas o que importa para esta matéria é recordar que a norma que institui a presunção de inocência tem a natureza de limitação de poder. É tão importante compreender esse conceito que vamos repisar o tema até que ele ganhe a forma de nossos pés. Normas que limitam poder servem, basicamente, para evitar que ditadores, loucos, ladrões, psicopatas, sucateiem os valores e princípios consagrados, por isso mesmo, na Constituição Federal, como resultado do pacto federativo e social que determinou a sua existência enquanto instrumento consolidador do Estado. São, também, normas de garantia (de limitação de poder) o direito a liberdade, igualdade, segurança jurídica, propriedade, livre manifestação do pensamento, legalidade, etc. Espero que a importância das normas de limitação de poder comecem a ganhar forma na cabeça do leitor. Vamos adiante.
Tais direitos e garantias individuais são tão importantes, mas tão importante, que o legislador constituinte (aquele eleito para criar uma nova ordem através de uma nova constituição) apontou no Texto Constitucional a proibição de alterá-los através de Emenda Constitucional (as chamadas cláusulas pétreas): imutáveis e inalteráveis ad infinitum, a menos que uma revolução desestabilize a ordem constitucional. .
Ora, se o legislador constituinte,proibiu que se alterasse, inclusive por Emenda à Constituição, tais direitos e garantias, com que autoridade o Supremo Tribunal , ao julgar a sua constitucionalidade, emprestou uma interpretação totalmente desautorizada do texto que institui a chamada presunção de inocência?
Iniciamos o texto entre aspas porque a presunção de inocência, outrora respeitada (pelo próprio STF) em seu comando normativo expresso - ninguém será considerado culpado + após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória - qual seja, após a decisão contra a qual não caiba mais nenhum recurso, por entendermos que a literalidade da disposição não encontra espaço para sadismos no processo de sua compreensão.
Sabemos que ao escrever a palavra recurso, provocamos na memória coletiva do país o ranço que se tem quanto à quantidade de recursos interpostos por advogados pilantras, tantos que parecem não ter fim, como se diz por aí aos borbotões. Compartilhamos do ranço quanto à quantidade de recursos que parecem não ter fim mas não compactuamos com qualquer ou a menor possibilidade de um órgão judiciário de cúpula, interpretar uma norma constitucional pervertendo sua expressa e literal disposição (porque o conceito de trânsito em julgado é técnico-jurídico) para atender questões circunstanciais no conflito político (e pessoalizado) que se abateu no país. É um órgão de cúpula, não de cópula, salvo a deodôntica (guaraná em pó é guaraná em pó e não pode ser interpretado como sabão em pó, por melhor que sejam as intenções de limpar o que está sujo) e nos termos constitucionais
O legislador constituinte condicionou a constatação da culpabilidade à ocorrência de um evento certo e futuro, qual seja, a ocorrência do trânsito em julgado, fazendo-o de forma expressa e literal,. Como se trata de normas de limitação do poder do Estado, nada mais fez o constituinte (o que originalmente criou o texto constitucional) do que informar ao legislativo - porque as regras de limitação são destinadas ao Poder Legislativo - para que direta ou indiretamente não se utilize do processo de elaboração de leis para limitar essa garantia constitucional - e, não o podendo inová-la o próprio legislativo, órgão regulador de condutas, jamais poderia violá-la o próprio órgão responsável pela guarda e controle de constitucionalidade, responsável por dar dicção ao direito constitucional.
O correto, pensamos, seria promover uma reforma legislativa para inovar o sistema de recursos, no contexto processual, transformando-o em algo mais efetivo, racional e eficiente (sempre nos termos da Constituição). Quando o poder judiciário, através de seu órgão de cúpula, cuja competência é estabelecida pela mesma constituição que irá interpretar, observa-se, ele próprio, a descumpri-la, suprimindo parte de sua disposição ("após o trânsito em julgado...") para, de forma falaciosa, alterá-la às avessas, a pretexto de interpretá-la, o sinal vermelho deve ser acendido em caráter de urgência. Ele está assumindo a função constitucional que é atribuída pela Constituição ao poder legislativo, num contexto onde mesmo este está proibido de inovar..
Querem colocar para debaixo do tapete o real problema: total falta de estrutura do poder judiciário e sistema processual teratológico (monstruosamente ineficiente, arcaico e ilógico). Ambos podem ser alterados/aprimorados sem qualquer eivo de inconstitucionalidade. Reflita cidadão: porque o próprio órgão do poder judiciário competente para salvaguardar a Constituição interpreta abobadamente uma norma constitucional se uma reforma legislativa e processual e uma reformulação da estrutura judiciária não afrontariam (tese) qualquer dispositivo constitucional? Pensem. Mas pensem também na briga de foice (forma de dizer né) que divide interesses entre os órgãos de cúpula do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário. Fazer uso político de um (ou mais) órgão de cúpula para tutelar interesses pessoais ou de grupos de poder afins é, por si só, patente afronta à Constituição Federal.
O interessante (se a Constituição foi elaborada com razoável unidade lógica entre seus dispositivos) é refletir sobre o que ocorre quando o órgão responsável por zelar pela Constituição deixasse de cumprir este mister, ou, o que é pior, agisse de forma, digamos, antifuncional, inobservando-a por motivos fúteis, mesquinhos ou criminosos. Estaria prevaricando? Estaria infringindo deveres de responsabilidade , em alguns casos reputados crimes (afronta à direitos e garantias individuais, - art. 7º, item 9 da lei 1.079/50)? Ou, o que nos parece mais ilógico, perigosamente ilógico: poderia o STF mudar o texto expresso de norma constitucional que se evidencia como cláusula pétrea, suprimindo de seu conteúdo a parte mais importante dela?
Veja-se: não estamos diante de uma abstração, como, por exemplo, ocorreria se o supremo fosse aplicar a norma constitucional que alude à dignidade da pessoa humana, pois o nível de abstração dela é alto e seria necessário conhecer o caso concreto para aplicar o conceito de dignidade da pessoa humana, elástico na acepção que faz sugerir e significar. Estamos, sim, diante de uma norma que é expressa ao exigir o esgotamento dos recursos no prazo legal até o trânsito em julgado da decisão.
Não se lê na norma que institui a garantia da presunção de inocência que uma pessoa só pode ser considerada culpada após o exame de sua consciência (o que seria abstrato), mas se lê que ninguém pode ser reputado culpado senão após o trânsito em julgado da sentença penal condenatória. Antes disso, o crime não foi configurado, pois a culpabilidade, esta que somente se estabilizará no processo após o trânsito em julgado, é elemento da estrutura do crime. Sem culpa formada, não há crime.
A reflexão que se traz no dia de hoje diz respeito à inobservância de comando constitucional expresso. Hoje é a afronta da presunção de inocência, amanhã (e que foi ontem) o direito do fisco de obter informações sigilosas de natureza bancária ou fiscal sem mandado judicial. Se a coisa evoluir, o sofismo no processo de interpretação das normas constitucionais podem concluir, por exemplo, que a liberdade é relativa e depende dos interesses do Estado (leia-se: dementes por poder ocupando cargos públicos) , ou que a segurança jurídica, por prescindir da existência do Estado, deve dispor de sua natureza de limitação de poder, já que é ele - o Estado - quem tem o poder de dizer o direito; ou interpretar que a propriedade deve cumprir a sua função social, entendendo-se por função social tudo aquilo que o Estado, por seus órgãos, entender que seja. Não é o afã pela prisão de criminosos (sobretudo os de colarinho branco) num tempo menor (o que é razoável exigir pela via constitucional correta) que está em jogo, mas a quebra da estrutura do único instrumento jurídico capaz de limitar o poder do Estado, qual seja a Constituição.
Se isso não for imediatamente questionado, inclusive pelo Senado, que é quem detém a prerrogativa para julgar os Ministros do Supremo Federal (dados pela Constituição) nos casos de irresponsabilidade política, todas os direitos e garantias instituídas pelo legislador constituinte sofrerão uma mutação gradativa e silenciosa de natureza axiológica e exegética, alquimia que não produzirá o ouro do chumbo, mas o chumbo do ouro, pela degradação de suas qualidades intrínsecas. É função intrínseca do STF interpretar a Constituição Federal e guardá-la em sua unidade. Se ele a vilipendia frontalmente, então, algo de muito estranho vem sendo gestado no útero de nossa democracia.
Cometemos o impropério de começar nosso texto com aspas. Desculpe-nos. Foi preciso iniciar ressaltando o texto para depois identificar o contexto de sua inobservância.. Enquanto eles saltarem sobre a Constituição, nós ressaltaremos nossa dúvida. A melhor fundamentação de uma decisão tomada por um desgoverno é omiti-la. A decisão ou a fundamentação? - indaga o povo, já que o texto não é claro - (o que foi omitido afinal?): amanhã eu lhe digo. Eu quem? - insiste o povo. O Estado, que sou eu mesmo, respondem eles. Arrematam em tom amigável: afinal, eu sou vocês.
Por questão de estética, encerraremos nossa reflexão com aspas:
"A Constituição Federal está entre aspas". "Sua liberdade também". "Liberdade" entre "aspas". Aspas, elas próprias, entre "aspas".
Obrigado pela "atenção".