segunda-feira, 27 de março de 2017

Previdência social: o nada sobre o qual depositamos toda a nossa esperança.

     Muito se tem discutido sobre a reforma da previdência social, modelos ideais e crise gerencial no sistema. A questão é séria, relevante e deve mesmo ser debatida pela sociedade, uma vez que é a principal financiadora do sistema.
     Resolvemos escrever algumas linhas, mas temos consciência de que o tema é complexo ou que se tornou complexo ao longo dos tempo. Por vício irremediável, buscamos compreender a raiz do problema para saber se, uma vez identificada, as soluções apresentadas pelas mídias sociais e profissionais da área fazem identificar de forma indelével o problema que tem em seu objeto a seguridade social, expressão que abrange em seu ambiente sistêmico a saúde, a previdência e a assistência social. 
    Criada há muito tempo, numa época em que as chamada grandes guerras mundiais geraram sequelas na ordem populacional do planeta, sob o prisma quantitativo e qualitativo, com influência no tempo médio de vida das pessoas, na demanda por soluções relacionadas com a saúde (doenças e sequelas pós-guerras) e diante do forte impacto gerado na economia das nações, foi capitaneada, em regra, pelos Estados, dado o forte impacto causado pela alteração significativa do panorama populacional do mundo. 
     Após várias transformações, especialmente no Brasil, a relação previdenciária foi sendo instituída na cultura nacional e, juridicamente formulada, passou-se a institucionalizar a ideia que, em sua dimensão básica, parte do princípio de que era necessário criar um modelo de natureza securitária que preservasse, diante das hipóteses circunstanciais, tais como morte, doença, idade avançada etc., um sistema que subsidiasse as pessoas com o mínimo necessário para manter-se economicamente.
     O que há de fatídico no fenômeno de sua criação é que tanto a população quanto a expectativa de vida das pessoas  eram consideravelmente menores. Estamos falando de números. O sistema de produção, ainda que em franca evolução, era outro, menos diversificado, gerado sob uma base de custos mais onerosa, não implicando nessa onerosidade, que a remuneração dos trabalhadores repercutissem no passivo de forma tão significativa assim. 
     O discurso governista e o de quem pretende demonstrar a necessidade de reformulação da previdência se pauta exatamente nos fatores "expectativa de vida" e "aumento populacional" , sobretudo dos contribuintes que operam integrados no sistema que, de acordo com a Constituição Federal, é financiado também pelo Estado e pela sociedade. A essência purista de sua ideologia pode ser resumida no compartilhamento de todos para o bem de todos, na medida de sua participação no sistema e na contrapartida social onerosa no plano de contas de quem detém os meios de produção. Somos, até aqui, números.
     A Constituição alargou o número de beneficiários, mas não elaborou correta e igualitariamente a solução sobre o sistema que determina a fonte e o custeio previdenciários. Melhor dizendo, securitário, já que agora, estamos falando de seguridade social, onde a previdência, ao lado da saúde e assistência social, passaram pela forma do sistema tripartite de sua configuração. Aumentou-se os beneficiários sem a contrapartida da adequação da arrecadação, cumprindo sempre lembrar que o INSS - Instituto Nacional da Seguridade Social - é uma autarquia, portanto, com autonomia econômica e gerencial para manter-se eficaz nos fins constitucionais que determinaram a sua existência. 
     Não diz o governo nada sobre os devedores intocáveis das contribuições sociais (dentre os quais muitas empresas governamentais das diversas esferas de poder, bancos, grandes empresas, etc), do fluxo de capital e de caixa operados até o presente momento, das normas que direta ou indiretamente reduziram ao setor produtivo, ora a alíquota, ora  a base de cálculo de incidência das contribuições, ora, ainda, o nível de vinculação das receitas derivadas do sistema previdenciário. Não comenta, ainda, a famigerada CPMF, criada originalmente para suprir o déficit orçamentário da saúde, um dos segmentos de que se constitui a, hoje, seguridade social. Qual foi o seu resultado e que impacto teve na tentativa de solucionar o problema? Não sabemos. Nós e o TCU. Poucos de nós sabem, ainda,  que uma das fontes de receita para o custeio da seguridade provém das loterias federais.
   Não demonstra o governo o desacerto entre a promessa de uma saúde de qualidade, com os mecanismos de controle das verbas orçamentárias repassadas à entidades de saúde. Duvidamos, inclusive, que o chamado SUS - Sistema Único de Saúde - possa ser explicado à sociedade numa palestra de meia hora, ainda que apenas para dar uma ideia do que é e como se movimenta a sua estrutura. É complexo, isento de qualquer ferramenta capaz de implementar, ainda que minimamente, qualquer transparência. Não se explica os baixos valores pagos a intervenções cirúrgicas, exames médicos (qualquer que seja o seu grau de complexidade e custo) , o que, como há décadas demonstra a imprensa, dá ensejo  à fraudes na elaboração tanto do custeio quanto dos repasses das verbas públicas. Como esse ponto é mais complexo, basta-nos dizer que estamos diante da casa da mãe Joana. Todo mundo abocanha todo mundo e ninguém sabe outra coisa senão que cada vez mais o passivo do sistema é evidente sem a contrapartida do serviço de qualidade prometido. Por envolver o ente federal, os estaduais e municipais, envolve, também, as constantes transferências de responsabilidades de ambos. A regra é um ente jogar a responsabilidade para o outro.
     Qualquer que seja o grau de complexidade, artificialmente produzido pelo próprio Estado e por quem fatura muito dinheiro com a total ausência de controle das verbas alocadas para cada um dos segmentos da seguridade, o fato inexoravelmente notado é o de que o Estado é incapaz de gerir honesta e eficientemente o sistema previdenciário. Não falaremos do fator corrupção, porque não há, hoje,  quem já, de plano, não insira nas considerações gerenciais o percentual da sacanagem. Custo marginal, diriam alguns. A seguridade social é um discurso que produz uma imagem e traga a riqueza de toda uma nação. Nada tem, na prática, de direito e, muito menos, de natureza constitucional. Um buraco negro, pestilento e sem fim. O abismo sobre o qual não paira a luz de santo espírito algum. 
     Agregue-se à essa relação de causa e efeito, a permissão para que as instituições financeiras instituam descontos diretos na fonte de pagamento de benefícios, os chamados empréstimos consignados. O reconhecimento de que o valor dos benefícios é baixo, aliado à permissibilidade instituída pelo governo quanto à possibilidade dos bancos empobrecerem ainda mais os beneficiários do sistema, já é, por si mesmo, uma contradição. Se foi elaborado para dar amparo na velhice ou diante de hipóteses circunstanciais (doença, invalidez, etc.) e se o próprio governo reconhece que não pode aumentar o valor dos benefícios, como admitir que as instituições financeiras abocanhem parcialmente um valor que é reconhecidamente baixo se o objetivo é social e relacionado diretamente com a ideia de amparo? Não estamos diante de um sistema de seguridade, mas de um grande negócio para quem manipula o sistema (e as suas contas) e as informações que dele se desprendem. Uma (mais uma) parceria indevida e inconstitucional entre instituições financeiras e governo. 
     Embora se fale em relação atuarial de valores, uma vez que o valor monetário deve ser preservado, como determina a Constituição Federal, com exceção de  alguns segmentos privilegiados e suas pensões e aposentadorias igualmente diferenciadas, nenhum brasileiro, ao gozar do benefício, identifica essa paridade monetária entre aquilo que pagou e aquilo que recebeu. Se o fizesse estaria indubitavelmente louco. Qualquer investimento remunera o seu investidor, mas todos os valores previdenciários não são aplicados de forma a promover o retorno do investimento de forma adequada. A seguridade, é, então, uma máquina de empobrecer contribuintes. Chamar de benefício as migalhas resultantes do investimento do segurado somente é admitido por um eufemismo extraordinário, o chamado eufemismo político ou venenoso. 
        Vincular os benefícios ao salário mínimo é tornar, quando da reformulação da política salarial do governo, o que era para ser um direito, uma grande desculpa para manter o salário mínimo aos patamares risíveis de hoje. Diz a besta governamental: não posso aumentar o salário mínimo porque posso quebrar a previdência. É o mesmo que afirmar que não pode remunerar o capital investido porque criei artificialmente um porquê não fazê-lo. Um engodo. Bem elaborado, convenhamos.
      Não notamos, também, o absurdo de manter absurdas aposentadorias de agentes eleitos, de cargos comissionados, do financiamento público de aposentadorias especiais, como a de militares, juízes, promotores, e outros atores do sistema público de existir. Todos, sem discriminação de qualquer espécie, devem ingressar no mesmo e geral sistema. Somos nós que pagamos essa conta e somos nós que não usufruímos de seus benefícios. Todos se reputam especiais por algum argumento, mas não notam que  sua mesquinha ponderação, desiguala o que deveria ser igualmente tratado. Estamos falando de valores, portanto, de importâncias capitais revertidas em números e os números não mentem. No mesmo sentido, as previdências estaduais devem ser extintas. Padecem dos mesmos vícios e pelos mesmos motivos.
     Ora, se o Estado não se presta a identificar formas de realizar o bem comum, a acepção de Estado, nos dias hoje, foi dizimada, reduzida a pó e transformada em outra coisa, que se veste como Estado, parece Estado, elege-se como Estado, mas de Estado não se trata.  Se é assim, livremo-nos dessa acepção e da dura realidade que nos impinge. Estamos vivenciando uma crise, mas não apenas de natureza econômica, mas moral e/ou racional.
     Apenas para nos dirigirmos à conclusão que ora se constrói , resta falar dos custos de manutenção do sistema. Servidores públicos, peritos (concursados ou terceirizados), custos de cobrança (apenas para enumerar já que os grande devedores não são cobrados mesmo), médicos do trabalho, etc.. Acabar com o serviço estatal de previdência parece ser, em boa medida, a melhor medida a ser adotada pela sociedade.
     Nesse modelo que imaginamos, as contribuições (empregadores e empregados) permanecem (e podem ser negociadas), são depositadas numa conta especial escolhida pelo próprio beneficiário, que poderá investir na forma que achar melhor. Fundos de pensão, privados, ações,  negócios, etc. Deve-se apenas informar ao beneficiário que da sua decisão dependerá o seu próprio futuro. Modelo de pleno exercício da liberdade econômica. Ganham o beneficiário, as empresas que captaram recursos, a produção e o investimento, as bolsas de valores, o comércio, geram-se novos negócios, inclusive pelos próprios beneficiários, de quem dependerá exclusivamente a administração de seu próprio futuro econômico. Ganham os contribuintes. Até o Estado se beneficiaria com os impostos gerados com os negócios oriundos da aplicação de valores securitários nos moldes aqui imaginados
     Acaba-se com o custo de manutenção de previdência pública, os assaltos ao bolso do contribuinte, as constantes alocações de recursos sem resposta eficiente no buraco negro da previdência, falindo pilantras, sindicatos e outros cujos fluxos de interesses estão umbilicalmente ligados a quem defende a manutenção desse sistema caótico, que é a seguridade social. A DRU (desvinculação da receita da União) não afetará, tendo em conta a alta capacidade do Estado em drenar para um vazio sem fim recursos públicos, ao menos os beneficiários do sistema, nesse novo modelo.
     O Estado, hoje, é uma fábula. Ele se mantém às custas do imaginário de uma sociedade dependente, sem iniciativa e que delega a abstração gerada por si mesma, a execução de tudo e do todo que a sua vida deveria representar. Quem a escreveu ou a escreve hoje em dia? Os contadores de histórias que você elegeu. Você, aqui, somos nós, na parte que nos toca.
     Se nada for feito, teremos que apelar, não para a previdência social estatal, mas para a Providência Divina e Espiritual, rezando para existir até o final da idade mínima para se aposentar ou até que o número de contribuições mínimas sejam atingidas para o exercício de benefícios previdenciários. 
     Se prever é prover, e, se a previdência não providencia a provisão justa de valores para o devir, prevejamos nossa sorte para nos prover de atitudes em benefício de nossa saúde mental. Ao menos dela.
    

Nenhum comentário:

Postar um comentário